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    Rio de Janeiro

    Depoimento: No Rio, 'rolezinho' sem rolê estaciona no Leblon

    J.P. CUENCA
    COLUNISTA DA FOLHA

    21/01/2014 04h01

    A origem do "rolezinho" é pura zoeira e vontade de se divertir. Foi a reação do poder público –tiro, porrada, bomba e liminares draconianas- que transformou o lazer da galera em um ato politicamente explosivo. A PM, mais uma vez, inaugurou a violência. E o rolê virou motivo de protesto contra a discriminação racial e a brutalidade da polícia.

    No balneário, quem organizou a ação foi o grupo "Porque eu quis", dedicado a denunciar a ação policial. O nome do movimento vem da resposta de um capitão do Choque em Brasília, justificando a agressão arbitrária contra um manifestante: "Porque eu quis. Pode ir lá e denunciar" (Veja vídeo). Até hoje, o sorridente capitão Bruno não foi punido.

    O "rolezinho" do Shopping Leblon parou na calçada. A administração teve uma liminar para proibi-lo cassada no dia anterior e decidiu fechar as portas -com tapumes, notas bilíngues coladas a eles e uma dúzia de seguranças de terno e gravata com as mãos cruzadas às costas.

    Na terça-feira passada, o secretário de Segurança Pública do Rio, José Mariano Beltrame, afirmou que "o 'rolezinho' não consiste em crime nenhum, não vamos tomar nenhuma atitude preventiva nesse sentido".

    Já no domingo, havia mais de cem PMs no entorno, três ônibus do Choque em prontidão, um helicóptero e alguns P2 filmando os manifestantes. Fica a dúvida sobre quem está no comando da segurança do Estado.

    As forças e intenções, como costuma acontecer, foram desproporcionais. A festa/protesto era pacífica e contou com churrasquinho, funk, passinho e figuras folclóricas das nossas passeatas como o Batman –agora, com um Coringa ao lado.

    A aglomeração era formada por movimentos e atores políticos que estiveram nas ruas a partir de junho de 2013, predominantemente jovens brancos de classe média, articulados estudantes de humanas. O Fora do Eixo providenciou a caixa de som e a churrasqueira improvisada.

    Se no Facebook o evento foi descrito pelos seus criadores como sendo "contra toda forma de opressão e discriminação aos pobres e negros", a maioria dos pobres e negros naquele quarteirão estava vestindo fardas da PM, do outro lado da rua. E também não muito longe dali, numa Cruzada de São Sebastião aparentemente alheia ao protesto.

    A Cruzada é um conjunto habitacional popular de dez prédios e 945 apartamentos idealizado por Dom Hélder Câmara e construído para receber favelados de diversas regiões da cidade. É separada do shopping pelo Teatro Oi Casagrande (Casagrande e Senzala, diziam ali), uma concessionária de automóveis e uma igreja. Cerca de 300 metros.

    Até hoje, é uma comunidade carente, um enclave no coração do bairro mais caro do Brasil. Poucos de seus moradores compareceram ao protesto que deveria lhes representar e incluir.

    O "Porque eu quis" já marcou o próximo rolê para domingo que vem. Não dar a volta no quarteirão dessa vez seria inocência demais no Leblon.

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