• Cotidiano

    Thursday, 02-May-2024 03:31:06 -03

    Pagamento de viciados em programa da prefeitura gera 'inflação do crack'

    FABRÍCIO LOBEL
    ARETHA YARAK
    DE SÃO PAULO

    25/01/2014 03h05

    O preço da pedra de crack chegou a dobrar já no primeiro dia de pagamento dos 302 usuários da cracolândia que trabalham no programa Braços Abertos, da prefeitura.

    A pedra, que custava R$ 10, sofreu variação de preço na tarde de ontem e chegou a custar até R$ 20, segundo relatos de usuários à Folha no fluxo (local de venda e consumo).

    De acordo com a prefeitura, 302 usuários receberam, em dinheiro, R$ 120 pela semana de trabalho na varrição de praças e ruas.

    O pagamento também estimulou as vendas no comércio tradicional da região –bolachas, salgadinhos, refrigerantes e outros produtos de consumo rápido foram os mais procurados.

    O fluxo de dinheiro na cracolândia também reforçou uma prática comum entre os usuários: a compra e revenda de pedras de crack.

    No fim do dia, após o frenesi provocado pela circulação de dinheiro novo, a pedra já podia ser encontrada mais barata, a R$ 10.

    O pagamento resultou numa injeção de R$ 36.240 na economia da região.

    'LUXO'

    Isaacc e a mulher, com R$ 240 em mãos, correram para garantir "um luxo" ao quarto do hotel. "É hoje, é hoje que eu finalmente compro minha televisão [usada]", disse.

    Outros aproveitaram para adquirir produtos de limpeza e de higiene. "Vou comprar umas coisas com mais qualidade, não gostei do kit da prefeitura", afirmou Clayton.

    Adnan Rodrigues usou o dinheiro para tentar evitar as recaídas. "Quero um pote de doce de leite, o doce me ajuda a evitar abstinência", contou.

    O preço da pedra na cracolândia é R$ 10 há pelo menos dez anos, diz Bruno Ramos Gomes, presidente da ONG É de Lei, que atua na região,

    Ele não acredita que a inflação tenha sido causada pelo pagamento da prefeitura.

    "Talvez ela esteja relacionada com a dificuldade de chegar pedra na área, dada à repressão policial", diz.

    Segundo Heron do Carmo, economista da USP, o que ocorreu na cracolândia tem a ver com o princípio elementar da inflação. "É a mesma coisa que ocorre com o preço dos hotéis no Rio por causa da Copa", diz.

    Ele afirma que o aumento também pode ser explicado pela concentração da venda num só lugar, que restringe as opções: "Achei a experiência da prefeitura interessante, mas é uma coisa para se levar em conta na avaliação da política", diz. "O usuário precisa primeiro ter um plano de vida. E só aí receber um salário", afirma Gomes.

    Colaborou André Monteiro

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024