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    Pesquisa do Ipea sobre estupro tem falha em metodologia

    MARCELO LEITE
    DE SÃO PAULO

    04/04/2014 15h21

    O Brasil ficou chocado, e com razão, quando viu a pesquisa que aponta que parte de sua população concorda com a ideia de que mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas. Porém, especialistas questionam os resultados obtidos: há problemas com a amostra da pesquisa que produziu o dado.

    Na tarde desta sexta-feira, o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), do governo federal, divulgou numa nota que altera de 65,1% para 26% o percentual das pessoas que concordam, total ou parcialmente, com a afirmação "mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas". Outros 70% discordam total ou parcialmente e 3,4% se dizem neutros.

    Além desse erro, reconhecido pelo órgão e atribuído a uma troca de gráficos, especialistas em pesquisas de opinião também contestam a metodologia aplicada.

    O levantamento ouviu 3.810 pessoas em 212 municípios de todas as grandes regiões do país de ambos os sexos entre maio e junho do ano passado. Os pesquisadores aplicaram os questionários pessoalmente na casa dos entrevistados.

    A lista de municípios onde os pesquisadores colheram os dados inclui todas as capitais, aqueles que a pesquisa define como municípios-polo (com aeroportos e voos comerciais regulares) e outros sorteados entre os que ficam num raio de 120 km dos polos. O instituto afirma que essa amostra é representativa da população brasileira.

    Uma pesquisa domiciliar introduz vieses indesejáveis numa pesquisa de opinião. O método aumenta a chance de que o entrevistado seja uma pessoa mais velha e do sexo feminino (só entraram na pesquisa maiores de 16 anos), condições obviamente relevantes para convicções sobre comportamento e violência sexual.

    A amostra do Sips abrangeu 66,5% de mulheres, quando na população em geral elas representam 51%. No estudo do Ipea, há 19,1% de idosos (60 anos ou mais), só que no censo de 2010 eles não passam de 10,7%.

    Há mais distorções. Entre os entrevistados do Sips, há apenas 5,4% de pessoas com nível superior de ensino. Considerando apenas as pessoas com mais de dez anos, há na população brasileira 8,3% com esse grau de instrução.

    Por fim, o Ipea ouviu 29,1% de moradores de regiões metropolitanas, quando há no Brasil mais de 40% nessa condição. Em resumo, a amostra do Sips tem mais mulheres, mais idosos, mais moradores de cidades menores e menos pessoas com nível universitário do que o geral dos brasileiros.

    Não chega a ser uma surpresa, portanto, que o Sips veicule opiniões mais conservadoras, ou tradicionalistas.

    FALTOU PONDERAÇÃO

    Para contornar essa deformação, institutos de pesquisa de opinião usam o recurso de ponderar sua base de respostas colhidas. Se há mais mulheres na amostra, a quantidade de respostas dadas por elas sofre uma espécie de desconto, para que no cômputo final ela não pese mais do que o devido em relação aos homens.

    Isso não foi feito no caso dessa pesquisa Sips, disse o Ipea à Folha (o texto publicado não traz essa informação). A explicação do instituto para essa falta de ponderação não chega a ser esclarecedora.

    "A reponderação da amostra foi testada em pesquisa anterior e acabou por não alterar significativamente os resultados", afirmou João Cláudio Garcia, da assessoria de imprensa. "[Os dados] não foram reponderados, pois () nossa experiência é que não muda o resultado."

    Em nota à Folha, o Ipea deixou outras perguntas sem resposta: se os domicílios e municípios visitados foram os mesmos da pesquisa Sips anterior (sobre serviços de telecomunicações), qual empresa contratada pelo Ipea aplicou os questionários, se houve diferença significativa entre as respostas de homens e mulheres nas questões sobre roupa/ataque e comportamento/estupro (alega-se que o cruzamento não foi feito) e quais foram as duas questões, do total de 27 aplicadas, que não entraram no relatório final.

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