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    Aposentado enterrado como indigente em SP levava crachá com 5 telefones

    ROGÉRIO PAGNAN
    REYNALDO TUROLLO JR.
    DE SÃO PAULO

    22/04/2014 03h20

    Há 11 anos, a doméstica Maria Cecília Ferreira Leão decidiu fazer um crachá para o pai, que se recuperava de um aneurisma cerebral.

    Colocou o nome completo, endereço e os números de cinco telefones, fixos e celulares, da família.

    Queria evitar o risco de o aposentado Edson Araújo Leão, então com 63 anos, passar mal longe de casa e a família não ser avisada.

    Mas foi exatamente isso que ocorreu. O corpo do pai só foi encontrado mais de 20 dias depois, após passar pelo SVO (Serviço de Verificação de Óbitos) de São Paulo, já enterrado como indigente.

    O crachá, o RG no bolso e as informações que poderiam levar à família foram desprezados. "Não me avisaram porque não quiseram mesmo."

    O aposentado saiu de casa no dia 20 de junho de 2003, por volta das 7h30, para ir à padaria tomar café. Não foi mais visto pela família.

    Maria Cecília, 53, soube depois que ele passou mal em um ponto de ônibus e foi levado por policiais militares ao hospital Vergueiro, onde ficou internado por nove dias. Ninguém do hospital comunicou a internação do aposentado.

    A família percorreu unidades policiais, IMLs e diversos hospitais da capital –até o Vergueiro. "Disseram para mim que ele não estava lá. Mas estava", disse a filha.

    Foram ao próprio SVO, mas nada. Depois de 20 dias de procura em vão, a católica Maria Cecília diz ter decidido ir a um pai de santo conhecido por localizar desaparecidos.

    Ouviu o conselho de procurar perto de um rio "fedido". "Lembrei do IML do HC [como ela chama o SVO], que fica perto do rio Pinheiros."

    Na nova visita ao SVO, ouviu a seguinte informação: "Ele passou por aqui. Como ninguém reclamou, foi enterrado como indigente", relatou. "Fiquei muito revoltada."

    A família Leão encontrou o parente no cemitério de Perus, na gleba 3, no lugar chamado pelos coveiros como a área "dos desconhecidos".

    A família pensou em transferir o corpo, mas foi desaconselhada por um funcionário. Ele disse, segundo Maria Cecília, que o corpo chegou oco por dentro e em um caixão parecido com caixa de feira. "Disseram que tiraram os órgãos para estudo universitário. Ele estava só a pele, como uma casca de papel."

    Já o aposentado Waldemário Teófilo de Almeida, 70, registrou em 20 de outubro de 1999 o desaparecimento do amigo José Francisco de Santana, então com 48 anos.

    Santana, segundo registro da própria polícia, havia morrido quatro dias antes dentro de um ônibus –com o RG no bolso. "Procurei por mais de um ano. Fui na polícia, nos hospitais, IML, tudo. Voltava sempre à polícia, mas me diziam para eu ficar tranquilo que me avisariam. Nunca tive notícia", disse ele, que soube do enterro pela Folha.

    A enfermeira Creuza Brunelo Rodrigues, 63, também registrou o desaparecimento da amiga Janeide Galindo Bezerra, à época com 34 anos, em 30 de dezembro de 2002, oito dias depois do boletim de ocorrência relatando o óbito da doméstica.

    "Saí procurando pelas ruas, hospitais, IML, colei até cartazes em postes, mas nunca mais tive notícias. Nunca ela saiu da minha cabeça. Obrigada por ter me avisado", disse ela à reportagem.

    Editoria de Arte/Folhapress

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