• Cotidiano

    Tuesday, 30-Apr-2024 21:31:38 -03

    SP continua a enterrar pessoas identificadas como indigentes

    ROGÉRIO PAGNAN
    REYNALDO TUROLLO JR.
    DE SÃO PAULO

    24/04/2014 03h00

    A prática do Estado de São Paulo de enterrar como indigentes corpos de pessoas identificadas antes de comunicar as famílias continua na capital paulista.

    Ontem, dois homens identificados foram levados a valas públicas no cemitério de Perus, na zona norte. O sepultamento ocorreu dois dias após a Folha revelar que muitas famílias passam anos à procura de seus parentes sem saber que já estão mortos.

    Uma investigação do Ministério Público aponta que cerca de 3.000 pessoas foram enterradas nessas condições entre 1999 e 2013.

    A promotoria analisa os casos de corpos que passaram pelo SVO (Serviço de Verificação de Óbitos), ligado à USP. O órgão é responsável por fazer autópsia em vítimas de mortes naturais –em que não há suspeitas de violência– para definir a causa do óbito.

    Pela norma estadual criada em 1993 no governo Fleury (PMDB) e mantida nos governos Covas, Serra e Alckmin (PSDB), corpos não reclamados por familiares em 72 horas podem ser enterrados em valas públicas.

    Editoria de Arte/Folhapress

    Nesse período, nenhum agente público costuma procurar a família do morto, mesmo que ele carregue consigo algum documento de identificação e, em alguns casos, até mesmo telefones de parentes.

    A promotora Eliana Vendramini, que descobriu o problema ao cruzar os nomes dos "indigentes" sepultados pelo SVO com a lista de desaparecidos do Estado, quer que sejam criados mecanismos para avisar as famílias.

    O Ministério Público vai processar o Estado pelos casos passados –pedirá a exumação dos corpos e indenização para as famílias.

    Os corpos de João Francisco Gonçalves e Nilson Gusmatti, ambos de 78 anos, enterrados ontem pela manhã no cemitério de Perus, chegaram ao SVO em 9 de abril.
    Gusmatti, que era garçom, vivia em uma pensão na região central. Um funcionário da pensão disse que soube de sua morte porque ligava ou ia ao hospital em que ele estava internado todos os dias.

    A Folha não localizou a família de Gonçalves ontem.

    Segundo a direção do serviço, os corpos não foram reclamados pelas famílias.

    "Após 14 dias, em conformidade com a lei, eles foram enterrados hoje [ontem]. Apesar de a lei autorizar o sepultamento depois de 72 horas, em geral, o SVO aguarda um número maior de dias para aumentar a possibilidade de familiares ou de algum órgão público entrar em contato", informou o órgão em nota.

    "Continuar seguindo a lei nesse caso é uma falta de respeito ao ser humano", disse a promotora Vendramini.

    Procurado, o governo estadual informou, em nota, que a USP, responsável pelo SVO, é "totalmente autônoma" para definir seus procedimentos.

    A reitoria da USP não respondeu à reportagem.

    Já o Serviço Funerário Municipal disse ser responsável só por transportar os corpos e enterrá-los, e não por atestar o óbito e liberar o cadáver.

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024