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    Dona de casa, 'mãe provisória' recebeu bebê doente em Campinas (SP)

    NATÁLIA CANCIAN
    ENVIADA ESPECIAL A CAMPINAS (SP)

    11/05/2014 01h45

    Ao ver a pequena Laura (nome fictício) no abrigo, Aparecida quase recuou.

    Aos sete meses, a menina tinha um histórico de desafios: nasceu com má-formação e com o vírus HIV, foi diagnosticada com uma bactéria altamente resistente, enfrentou uma pneumonia e passou quatro meses na UTI.

    Entre idas e vindas do hospital, Laura precisava de cuidados, mas ainda não podia ir para adoção –filha de uma usuária de crack, esperava-se que ela pudesse ficar com outros membros da família, até então não localizados.

    A solução encontrada pela Justiça, então, foi recorrer a uma "mãe acolhedora".

    "Quando fui pegá-la, tinha uma farmácia inteira para levar para casa", conta Aparecida, casada e mãe de um menino de seis anos. Laura foi a terceira criança que a família acolheu. "Deu medo", diz.

    Um ano depois, a menina deixou os remédios e negativou a carga do HIV. Recuperada, deverá ir para adoção.

    Para Aparecida, o Dia das Mães é parte de uma despedida que já começou. Por ter a função de acolher, ela e outras "mães" e "pais" temporários não podem estar na lista de interessados a adotar.

    "Eu tenho falado com ela, e estou me preparando também. É preciso aprender a ter desapego", relata Aparecida, que recebe orientações de psicólogos e assistentes sociais durante a acolhida.

    Raquel Cunha/Folhapress
    A 'mãe' provisória Aparecida brinca com criança filha de usuária de crack que acolheu em sua casa temporariamente
    A 'mãe' provisória Aparecida brinca com criança filha de usuária de crack que acolheu em sua casa temporariamente

    HISTÓRIAS

    Em Campinas, sede do Sapeca, um dos primeiros programas de acolhimento familiar do país, criado em 1996, "mães" provisórias compartilham histórias de todos os "filhos" que já tiveram.

    São crianças filhas de usuários de crack ou vítimas de abandono ou violência, entre outras situações.

    Foi assim que Rosely, 52, com dois filhos jovens, voltou a ter uma casa "de criança". Tudo começou quando a funcionária pública recebeu com o contracheque uma propaganda do programa.

    Conversou com o marido, esperou a filha voltar de viagem –um dos requisitos para participar é que todos os membros da família concordem–, e se cadastrou.

    Juntos, todos passaram por entrevistas e avaliações. Depois da seleção, foram meses de treinamento, com reuniões, palestras e visitas de assistentes sociais.

    Mesmo com tanta preparação, a chegada de Renata (nome fictício), aos 30 dias de vida, surpreendeu a família. Era uma tarde de abril quando a equipe do programa ligou e perguntou: poderiam cuidar de um bebê?

    Rosely esperava acolher uma criança maior, mas era aquela figura miudinha que precisava de apoio. Acionou a rede de amigos e ganhou berço, carrinho e brinquedos.

    Já com Renata em casa, criou uma estratégia para que a pequena não perdesse a referência da mãe biológica: ensinou-a a acariciar uma foto da mãe, que a menina encontrava na sede do Sapeca –o programa tem reuniões semanais com a criança, com a família de origem e também com a família acolhedora, em momentos diferentes.

    Em alguns casos, mães e pais temporários podem até se transformar em uma espécie de "padrinhos" assim que o período de acolhimento termina, em uma espécie de rede de apoio à criança.

    Enquanto Renata era bebê, Rosely também fez álbum de fotografias, para que a pequena possa saber sua história no futuro.

    Hoje, um ano depois, fica feliz pelo que já viveram juntas. "Esses dias ela me deu um abraço tão forte que eu até brinquei: já ganhei o presente do domingo", ri.

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