Uma compra milionária de 3.000 pistolas semiautomáticas coloca em lados opostos a Polícia Federal e o Exército.
A PF quer adquirir exemplares adicionais da arma austríaca Glock, já adotada na corporação e considerada, pelos policiais, superior às nacionais.
Já o Exército, responsável por autorizar importações e proteger a indústria nacional de defesa, tem apresentado obstáculos à compra.
No ano passado, o Exército rejeitou o pedido de autorização para a compra de 3.000 armas sob o argumento de que havia produto similar no Brasil, a pistola PT 24/7, fabricada pela Taurus.
O entendimento dos militares colocou a PF numa situação delicada.
O Exército já havia dado autorização a outras duas compras de Glock anteriormente e o armamento havia sido adotado como o padrão na polícia em 2007.
A avaliação na PF é que a troca de fabricante vai gerar custos extras com equipamentos e acessórios, além de mais tempo de treinamento dos policiais.
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Neste ano, após a PF pedir reconsideração, o Exército decidiu liberar compras emergenciais com a Glock.
Uma comissão dos ministérios da Defesa e da Justiça foi criada para definir os requisitos do armamento e apresentá-los à indústria nacional, com objetivo de que um produto nacional possa atender adequadamente à demanda da polícia.
O Exército afirma que apenas na primeira autorização, em 2003, não havia produto similar nacional.
A última compra da Glock, liberada pelo Exército em 2007 -mesmo ano em que a PF adotou a arma austríaca como padrão- só aconteceu após tratativas da Casa Civil da Presidência da República, dizem os militares.
De acordo com o Exército, não há veto à Glock, mas 'controle' para preservar a indústria nacional.
"O controle leva em consideração a legislação, que aponta a necessidade da salvaguarda da indústria nacional de defesa, como também o atendimento das necessidades dos órgãos de segurança pública", afirma, em nota.
Apesar de o Exército afirmar que há similar nacional para a compra da PF, grupos especiais das próprias Forças Armadas utilizam a Glock.
Segundo o Exército, isso acontece porque tropas de elite "necessitam manusear diversos armamentos, de variados países, como forma de permitir o emprego de tais produtos e conhecer novidades e alternativas no mundo".
De acordo com o Exército, isso torna os seus integrantes aptos a "estabelecerem requisitos para um novo armamento nacional".
A Folha enviou questionamentos sobre as armas e os custos do material à PF.
No entanto, não obteve respostas do órgão até o fechamento desta edição.
Na primeira compra de armas realizada por parte da PF, em 2005, a polícia apontou problemas na pistola PT 24/7, de fabricação nacional.
Um parecer técnico cita "diversos problemas e deficiências" da Taurus.
A Polícia Federal anexou ao processo de compra uma pesquisa da Polícia Militar do Estado de São Paulo, na qual 47% dos entrevistados afirmaram que não consideram confiáveis as armas de fabricação nacional.
Procurada pela reportagem, a Taurus afirmou que segue "rigorosamente a legislação" e que não comenta decisões de autoridades.
"A Taurus produz diversas armas consideradas, técnica e funcionalmente, similares a outras armas produzidas por fabricantes estrangeiros, entre os quais o mencionado Glock", disse a empresa.
Ainda de acordo com a Taurus, "eventuais inconformidades nos produtos, à semelhança do que ocorre em outros segmentos da indústria nacional, são imediatamente corrigidas".