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    Lei da Palmada não proíbe palmada, dizem advogados

    ARTUR RODRIGUES
    PEDRO IVO TOMÉ
    DE SÃO PAULO

    06/06/2014 02h00

    A chamada Lei da Palmada, aprovada anteontem (4/6) no Senado, é subjetiva e não acrescenta nada à legislação vigente, dizem advogados ouvidos pela Folha. Deixa brecha, inclusive, para a própria palmada.
    A legislação proíbe "castigo físico" que cause "sofrimento físico" ou "lesão". Apesar do apelido, a palavra "palmada" não consta no texto. Nem outra semelhante.

    Cinco advogados ouvidos pela Folha afirmam que a regra deixa brechas para várias interpretações.

    Editoria de Arte/Folhapress

    O criminalista Carlos Kauffmann diz que, para o caso de castigo físico que cause sofrimento ou lesão, já constam lesão corporal e maus-tratos no Código Penal. "Se der a palmada sem sofrimento físico ou moral e sem lesão corporal, não há problema."

    Na tramitação no Congresso, o texto proposto pelo Executivo sofreu uma mudança. A palavra "dor" foi trocada por "sofrimento físico". Com isso, diz Kauffmann, a legislação ficou ainda mais subjetiva.

    EFEITO SIMBÓLICO

    Alamiro Velludo Netto, criminalista e professor de direito penal na USP, concorda que a norma não proíbe todo tipo de tapinha. "A palmada que tem mais efeito simbólico, de correção, não foi proibida, mas sim aquela que tem o caráter de agressão."

    Segundo ele, a lei gera um grande desafio para os juízes, que terão de dar contornos mais precisos ao que deve ser considerado sofrimento físico.

    "Em que medida um tapa é significativo? A forma como ele é dado, o contexto, tudo isso deverá ser considerado [na Justiça]. Uma palmada pode não ser considerada sofrimento físico, e o que vai determinar isso serão as decisões [judiciais]", diz o advogado.

    O que a lei deve penalizar é a situação em que o responsável pela criança, seja a mãe ou o pai, ultrapasse os limites do razoável, afirma o professor.

    O criminalista Fernando Castelo Branco ressalta que agressões devem ser punidas, como prevê a lei. O medo dele é que, por ser ampla, a nova regra abra espaço para interpretações radicais.

    "O pai que dá uma palmada no filho que sai correndo para atravessar a rua causou um sofrimento físico na criança?", pergunta ele, que não vê na palmada tratamento degradante.

    O professor de direito penal Luiz Flávio Gomes lembra que a norma não prevê punições penais, mas encaminhamento para tratamento. "Se a lei penal que prevê pena não surtir efeito preventivo, uma lei sem prever punição vai surtir menos efeito", diz.

    "A violência física, sobretudo doméstica, é cultural. As leis não mudam a realidade", acrescenta Gomes.

    DENUNCISMO

    Para a advogada Carmen Nery, especialista em administração legal, a lei interfere em assuntos familiares e pode gerar um denuncismo que sobrecarregaria o Judiciário.

    "Agora, o juiz vai verificar se tal chinelada fere ou não fere a Lei da Palmada", diz.

    "Você acha que um Judiciário como nosso, lotado, sem condição de julgar latrocínios e serial killers, tem de decidir se a palmada foi bem dada e o beliscão foi excessivo?"

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