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    Takumã Kamayura (1932-2014) - Um dos grandes pajés do Xingu

    FABRÍCIO LOBEL
    DE SÃO PAULO

    29/08/2014 00h01

    Takumã era ainda um adolescente, filho do cacique dos camaiurá, quando avistou um grupo de homens brancos e barbados no meio da mata. Passou a acompanhá-los à distância por horas.

    Antes de partir, os brancos deixaram para trás facões e miçangas pendurados em árvores. Takumã e seus amigos ficaram com os itens.

    Momentos depois, os brancos voltaram. Falando uma língua estranha, não quiseram seus objetos de volta; ao contrário, ofereceram outros. Estava assim selada a amizade entre os irmãos Villas-Bôas e a tribo camaiurá, no Alto Xingu, região então quase desconhecida do Brasil.

    Segundo a Funai (Fundação Nacional do Índio), anos mais tarde, Takumã foi peça fundamental na criação do parque do Xingu, em 1961, por ter sido um dos primeiros a entender o português. Também ajudou a pacificar as 14 tribos da região, já que muitas viviam em guerra entre si, e a atraí-las para dentro dos limites do parque.

    Conhecido como um dos grandes pajés do Xingu, Takumã era requisitado por levas de pacientes (muitos deles empresários e políticos) em busca de cura. Assim, viajou até para Nova York. em uma das viagens, voltou reclamando do frio ianque.

    Certa vez, duas crianças da tribo calapalo haviam desaparecido na floresta. Diversos pajés do alto Xingu se reuniram e chegaram à conclusão de que elas estavam mortas, possivelmente devoradas por uma onça.

    Como último recurso, os pais procuraram Takumã. O pajé ficou por dias em estado de transe profundo. Ordenou que todos na aldeia se recolhessem e ficassem em silêncio. Até que ele se levantou, caminhou até à entrada da aldeia e trouxe as duas crianças pelas mãos, depois de 15 dias desaparecidas. A história ainda é contada no Xingu por índios e brancos.

    Apesar de sua religiosidade, Takumã recusava-se a tratar casos de câncer, pois achava que seus poderes não seriam suficientes para isso.

    Morreu na segunda (25), de complicações de um AVC (acidente vascular cerebral), aos 82 anos (dizia, porém, não ter certeza de sua idade).

    Seu corpo foi lavado e pintado com urucum, jenipapo e carvão. Braços, pernas e cintura foram envoltos por cordões, e a cabeça, adornada por um cocar. Takumã foi sepultado no centro da aldeia, que ficará em silencioso luto pelo próximo mês. A família ficará de luto por até um ano, sem festas, cantos, risada e brincadeiras. Só depois desse período, uma festa os libertará para uma vida cotidiana.

    Deixa quatro filhos, entre eles o atual cacique da aldeia.

    coluna.obituario@uol.com.br

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