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    Mulher de Roger Abdelmassih é vítima de 'cegueira', afirma ex-paciente

    NATÁLIA CANCIAN
    DE SÃO PAULO

    16/10/2014 02h00

    Era o ano de 2010 quando Vanuzia Leite Lopes, 54, uma das primeiras vítimas a relatar os abusos cometidos por Roger Abdelmassih, iniciou uma verdadeira "caçada" pela internet em busca de pistas do ex-médico, então foragido.

    Desde então, a estilista passou a receber relatos de outras vítimas. Para ela, a mulher do ex-médico, Larissa Sacco Abdelmassih, que concedeu entrevista nesta semana à Folha, "é vítima da cegueira e da ganância". "Abro meus braços para quando ela acordar, porque ela vai sofrer demais."

    Apu Gomes/Folhapress
    Vanuzia Lopes, 54, durante entrevista
    Vanuzia Lopes, 54, durante entrevista

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    Folha - Você diz que fez uma verdadeira 'caçada' ao Roger Abdelmassih. Quando isso começou?
    Vanuzia Leite Lopes - Quando saiu o habeas corpus dele. Montei uma página [na internet] para localizar vítimas. E aí comecei uma caçada mesmo. Eu publicava incansavelmente, noites e noites, em grupos. Quando soube que ele tinha se casado [com Larissa Sacco], pensei que ela era vítima dele. Tentei procurá-la para explicar quem ele é, mas nunca me deu ouvidos.

    O que mudou desde que ele foi encontrado no Paraguai?
    Foi uma exposição excessiva das vítimas. Não estávamos preparadas.

    Em interceptação telefônica recente, Abdelmassih chama as vítimas de "loucas". Diz que "a mulher jogava o milho, ele ia comer e levava ferro".
    Eu sou muito observadora, por isso colhi tantas pistas dele. Vou pedir perícia nessas gravações e denunciar o psiquiatra [com quem Abdelmassih conversa]. Ele é médico, e se ouviu outro médico dizer que cometeu crimes contra a ética médica, deveria ter feito uma observação, e não brincadeiras como fez. Nessas gravações, ninguém observou a parte mais importante, em que ele diz "Eu sou comedor (...), e achava que elas estavam disponíveis". Ali, no meu caso, e de diversas pacientes que estavam desacordadas, ele confessou o crime. Qualquer perito vai ver isso. Eu estava sem calcinha, fazendo um tratamento, dormente. A "disponibilidade" para ele era essa.

    Como aconteceu com você?
    Foi em 1993. Ele sempre me elogiava, falava que eu era bonita. Mas eu achava que elogios não eram assédio, estava em estado de graça porque ia ser mãe. Nunca pensei que um médico fizesse isso [estupro]. E eu só soube porque o remédio que deram para dormir não fez efeito o tempo todo. Quando acordei, ele estava em cima de mim, e eu estava com muitas dores. Estava com o ânus sangrando e cheia de esperma. Fiquei chocada. Tentava me desvencilhar, fui empurrando. Consegui colocar a roupa e saí chorando, desesperada. De lá, fui a uma delegacia e me encaminharam para exames.

    Depois disso, você chegou a encontrá-lo?
    Depois disso aconteceu um fato terrível, traumático. Como ele fez sexo anal e vaginal, e tinha me dado muito hormônio, meu ovário estava hiperestimulado e preparado para multiplicar tudo o que recebesse. Ele multiplicou uma bactéria. Dez dias depois, eu já estava quase morta. Tiraram minhas trompas e meu ovário, que infeccionou. Fiquei quarenta dias no hospital. Nunca mais o vi, mas soube que ele esteve lá.

    Em entrevista à Folha, Larissa questiona por que as pacientes voltaram à clínica após os abusos.
    Eu vou responder por todas, embora não tenha esse direito. Muitas venderam tudo o que tinham, porque é um estigma dizer que só as que iam à clínica eram ricas. Não. Uma delas vendeu até o apartamento. As que estavam desacordadas não tinham certeza, e outras que descobriram, pararam. E outras que foi um beijo, cantada, voltaram à clínica, mas não com ele, com outros médicos. Elas não quiseram ser mais atendidas por ele.

    A defesa de Abdelmassih costuma dizer que ele foi condenado sem provas.
    Ele foi condenado a 278 anos por estupro. E são as provas mais difíceis, porque você é pega de surpresa. Já cheguei a ouvir coisas como: "Por que você não foi de novo e levou uma câmera?". O que vale em qualquer caso de violência sexual é a palavra da vítima, ainda mais se tiver riqueza de detalhes, como no nosso caso. Foram 37 vítimas na sentença, mais testemunhas. A juíza avaliou cada palavra, cada gesto dele. Tudo isso está no processo e vale como prova. Ela [Larissa] é que nunca leu o processo, porque é sigiloso. O dia que ler, como procuradora que é, se ela tirar os olhos da cifra, e olhar com os olhos imparciais, vai ver esses relatos.

    Você disse que achava que ela era vítima [de Abdelmassih]. Acha que ela pode ter sido ludibriada?
    Sinceramente, achava que ela era vítima, até a entrevista de ontem. Mas abro meus braços para quando ela acordar, porque ela vai sofrer demais. Eu sei o que é sofrimento. Eu engordei 70 kg, por medo, pelas ameaças que sofri [chora]. Quando os filhos souberem o que ela fez, e cobrar isso dela, ela vai sofrer. E nesse dia ela pode me procurar, não vou julgá-la por nada. Mas hoje me sinto indignada. Eu acho que ela é vítima apenas da cegueira, de não conseguir enxergar essa monstruosidade toda. E da ganância. Honra como a minha não tem preço. A dele é R$ 10 mil, R$ 50 mil, como ele diz na gravação [telefônica].

    Um recurso da defesa deve ser julgado. Teme que ele possa ser solto?
    Depois do que o Gilmar Mendes [ministro do STF que concedeu o habeas corpus a Abdelmassih em 2009] fez, eu temo tudo. Fiz uma moção de repúdio e eu estou fazendo um abaixo-assinado para a desarquivarem. Não estou atrás de indenização financeira. Apenas quero que nunca mais se dê um habeas corpus a nenhum estuprador sem que olhe o processo e o dano que isso vai causar às vítimas.

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