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    Bebê nasce em ônibus de São Paulo após clínica recusar atendimento

    LEANDRO MACHADO
    DE SÃO PAULO

    22/10/2014 02h00

    Jéssica Cos/Arquivo Pessoal
    Foto do nascimento de Layla ocorrido dentro de um ônibus
    Foto do nascimento de Laila ocorrido dentro de um ônibus

    Por pouco Laila do Nascimento não nasceu. Há uma semana, quando veio ao mundo dentro de um ônibus no Capão Redondo, foi uma surpresa até para a avó, que ganhou mais uma neta sem nem receber aviso prévio.

    A saga do nascimento de Laila começa às 3h de quarta-feira (15), quando sua mãe, Ariana, grávida de sete meses, levou um tombo no banheiro do shopping SP Market, na marginal Pinheiros.

    A epopeia acabou 11 horas depois, no banco de um ônibus da linha 6815-10 (Terminal Capelinha-Jardim Comercial), após uma peregrinação em busca de atendimento na zona sul paulistana.

    "Escorreguei no chão molhado do banheiro. Ninguém viu", diz Ariana do Nascimento, 26. Auxiliar de limpeza, ela trabalha de madrugada para deixar o shopping limpo para os primeiros clientes do dia.

    Ninguém sabia que ela estava grávida. Em seu corpo magro, a barriga um pouco maior não despertou suspeita. "Não contei nem para a minha mãe, porque ela é muito brava. E eu já tinha outra filha", diz Ariana, mãe solteira de uma menina de três anos.

    No centro de compras, o tombo doeu, mas não muito. De manhã, Ariana voltou para casa de ônibus. (Ainda não é agora que Laila nasce).

    A dor se tornou mais forte, só a água aliviava. "Fiquei três horas no banho. Mas não resisti e quis ir pro hospital."

    Chamou a mãe, Luciana do Nascimento, 46, que mora em frente. Contou do tombo, mas nada da gravidez. Pegaram o ônibus em direção ao Hospital Municipal do Campo Limpo. "Subi passando mal", diz Ariana. Laila está chegando.

    À VISTA

    Alheia à saga de Ariana, a aluna de letras Jéssica Cos, 22, entrou no mesmo ônibus. Iria buscar seu passaporte na sede da Polícia Federal, no centro. "Vi uma mulher se contorcendo de dor, ela parecia que ia desmaiar", diz. Foi ela quem comunicou o caso à Folha por meio do WhatsApp do jornal.

    Sem alternativa, Ariana finalmente contou para sua mãe sobre a segunda gravidez. Os passageiros também souberam que um bebê estava à vista (e a bordo).

    Dar à luz em um ônibus cheio não estava nos planos de Ariana. Mas o hospital ainda estava longe.

    "Coloquei reservado' no letreiro, passei sinais vermelhos e não parei mais nos pontos", diz Jailson Estima, 45, o motorista do veículo.

    No caminho, havia a clínica particular Clinisul, que tem pronto-socorro. Jailson desceu e gritou: "É uma emergência. Uma mulher vai ter bebê dentro do meu ônibus."

    Segundo o motorista, funcionários negaram atendimento à Ariana, alegando que a clínica não realizava "esse tipo de procedimento".

    TERMINAL

    Desesperado, Jailson dirigiu até o terminal Capelinha. "Já estava sentindo Laila nascer", conta Ariana.

    O ônibus parou e alguns passageiros desceram. A estudante de letras não. Jéssica ligou para o Samu.

    Não havia tempo para a ambulância chegar. O motorista do ônibus, então, tratou de correr para o hospital.

    "A Ariana estava com vergonha de tudo. Eu disse: ou você abre as pernas ou sua filha vai morrer sufocada", diz Edson Marques, 23, fiscal do terminal, que havia entrado no veículo para ajudar.

    "O motorista estava chinelando [correndo]", afirma Jéssica. Mas não deu tempo: Laila nasceu ali mesmo, dentro do coletivo em movimento, na estrada de Itapecerica.

    "Foi um parto muito natural. Ela simplesmente apareceu. Comecei a chorar na hora", relembra Jéssica.

    Já no Hospital Municipal do Campo Limpo a saga continuou: não havia leitos na maternidade para Ariana e sua filha."Ficamos até 22h em uma maca no corredor."

    A direção do hospital confirma que não tinha vaga para as duas no local, mas diz que elas ficaram em um "centro de recuperação" das 17h às 21h, quando foram levadas para a maternidade.

    Diz, também, que as pacientes foram acompanhadas o tempo todo por uma equipe de enfermagem.

    A Clinisul afirma que orienta funcionários a prestarem primeiros socorros em casos de emergência e que vai apurar por que Ariana não foi atendida.

    Davi Ribeiro/Folhapress
    Ariana com a filha no colo foi ajudada pela estudante Jéssica na hora do parto
    Ariana com a filha no colo foi ajudada pela estudante Jéssica na hora do parto

    NASCIDA VIVA

    Dias depois, quando Ariana foi registrar sua filha no cartório, a declaração fornecida pelo hospital dava Laila como nascida morta. "Falei para o moço que minha filha estava viva, sim."

    Segundo ela, o documento precisou ser refeito no hospital. A prefeitura diz que não há registro de erro no prontuário de Ariana, mas que vai apurar a informação.

    O nascimento de Laila foi registrado pela prefeitura como "parto em trânsito". Já em casa, no Capão, a menina dormia tranquilamente na manhã de ontem (21/10).

    "Quando ela crescer, vou dizer para ela: que trabalho você me deu, minha filha", brinca Ariana.

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