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    Páginas da internet dão 'passo a passo' a mulheres que buscam aborto ilegal

    GIOVANNA BALOGH
    DE SÃO PAULO

    23/10/2014 02h00

    Marlene Bergamo/Folhapress
    Antônia (nome fictício), 30, precisou de ajuda após fazer abortos com remédios ilegais
    Antônia (nome fictício), 30, precisou de ajuda após fazer abortos com remédios ilegais

    A psicóloga Antônia (nome fictício), 30, teve uma filha em 2002. Em 2007, prestes a se separar, engravidou sem planejar. Ela e o marido optaram pelo aborto, prática ilegal no país. Pesquisaram na internet e compraram o medicamento –vendido ilegalmente.

    Antônia estava com oito semanas de gestação quando abortou pela primeira vez.

    Conseguir abortivos e informações sobre o procedimento não requer esforço. Sites ensinam o passo a passo.

    Apesar de ser crime, o aborto é feito diariamente no país. Sem segurança, mulheres morrem e têm complicações após o procedimento.

    Por lei, a prática só é permitida em caso de estupro e quando há risco de morte para a mãe.

    No ano passado, 1.523 abortos legais foram feitos no país pelo SUS (Sistema Único de Saúde) e mais de 196 mil mulheres buscaram atendimento médico por complicações decorrentes de abortos ilegais.

    Com base nesses dados, a estimativa é que ocorram 800 mil casos de abortos inseguros por ano no país.

    Comprar abortivos na internet é fácil. Sem se identificar, a reportagem conversou com um vendedor que indicou para oito semanas de gestação, por exemplo, seis comprimidos. O valor: R$ 400. O medicamento é vendido para mulheres com até 16 semanas de gravidez por até R$ 1.000.

    ENCOMENDA

    A estudante Bianca, 20, esperava nesta quarta-feira (22) chegar pelos Correios o abortivo que comprou em um site. Grávida de seis semanas, solteira, pagou R$ 500. "Vou fazer o que indica o site. Espero que dê certo", afirma.

    Ela comprou o Cytotec, que não é comercializado no país desde 2003, de um vendedor que diz trazê-lo do Canadá.

    A farmacêutica Pfizer afirma que, antes de encerrar a venda no Brasil, o remédio era de uso restrito em hospitais e que desaprova a utilização indevida do produto.

    Em vários fóruns na internet há depoimentos de quem já fez o procedimento, informações sobre cuidados e ainda de quais são os principais efeitos do remédio, como cólicas e sangramento.

    Na internet também há detalhes de complicações como perda excessiva de sangue e dos riscos de aborto incompleto e de quando a gravidez não é interrompida.

    CONSEQUÊNCIAS

    O Ministério Público de São Paulo afirma que as pessoas podem denunciar esses sites à polícia. Diz ainda investigar e determinar a remoção de páginas com esse conteúdo.

    Médicos alertam que um aborto malfeito pode levar à morte da gestante.

    "O remédio pode ser falso, a dosagem pode ser diferente e ela [grávida] ter uma superdosagem. Fora que o histórico da paciente não é levado em consideração", explica o ginecologista e obstetra Jefferson Drezett.

    Assim como outras mulheres, Antônia teve complicações e precisou ir ao hospital. "Após algumas horas tive uma hemorragia razoável e procurei um hospital. Não contei que tinha induzido o aborto e também não sofri nenhuma acusação", diz a psicóloga, que passou por uma curetagem com anestesia geral e ficou internada por um dia.

    Após se relacionar com outro homem, ela engravidou e abortou mais uma vez, também em 2007. "Desta vez a situação era ainda pior. Um relacionamento novo, os dois desempregados, sem plano de saúde", diz a psicóloga.

    Novamente ela comprou o abortivo e, após algumas horas de sangramento, procurou um hospital, onde passou por outra curetagem.

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