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    Crise da água

    Casal de idosos e filho passam a noite presos a galhos expostos do rio Tietê

    KAIO ESTEVES
    DE COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM ARAÇATUBA (SP)

    25/10/2014 02h00

    RESUMO O aposentado Takashi Nakano, 72, e sua mulher, Kazue Takasu Nakano, 64, agora têm uma nova história para contar aos colegas de pescaria no rio Tietê. Na quarta-feira passada (22), Takashi, Kazue e o filho deles, Roberto Yukio Nagata, 33, pescavam em um trecho limpo do rio, em Araçatuba, no interior paulista, quando uma ventania provocou uma forte onda. A água invadiu o barco, que afundou logo depois. O nível baixo do rio, devido à seca, foi o que salvou os três. Eles passaram a noite agarrados aos galhos que surgiram no meio do Tietê. Dez horas depois, ao amanhecer, o filho nadou até terra para pedir ajuda. O casal foi resgatado.

    (...) Depoimento a

    Nasci e cresci em Pereira Barreto, que é banhado pelo rio Tietê. Costumava ir pescar com meu pai, desde pequeno. Depois me afastei do Tietê por causa do trabalho.

    Virei relojoeiro e fui trabalhar em Bauru, depois em São Paulo, além do Japão, onde morei por oito anos. Fiquei 35 anos sem ver o rio.

    É por isso que agora, como estou aposentado, gosto de pescar. Costumo ir ao Tietê três vezes por semana.

    Pego meu barco, meu carro e vou com meu filho e minha mulher. No rio, batemos um papo, brincamos e contamos piadas. Gostamos de pegar corvinas e preparar um sashimi aqui em casa.

    Na última quarta-feira (22), não foi diferente. Chegamos ao rio por volta de 18h, armamos os equipamentos, pegamos os coletes salva-vidas e entramos na água.

    Já era quase meia-noite quando a ventania começou. Pescar à noite é melhor, não tem calor e o sol não castiga.

    Como estamos acostumados, não nos preocupamos. O problema é que o barco estava com o bico para a margem, e isso ajudou que uma onda grande, formada pela ventania, o invadisse.

    Quando a água entrou no barco, o bico subiu e ele ficou em pé, afundando em seguida. Meu filho não gosta de pescar com coletes, atrapalham mesmo. Ele estava sem [o colete] na hora que o barco afundou, mas ainda bem que sabe nadar como poucos.

    Segurei por alguns minutos no barco até decidir ir para os galhos que estavam no rio. Acho que a seca ajudou a salvar a minha vida.

    Por onde ando, no rio, vejo galhos de árvores aparecendo. Nunca vi uma seca como esta em toda a minha vida. Mas quem fez isso foi o próprio homem, né? É triste, mas é a consequência.

    Eu e minha mulher, com coletes, ficamos segurando nos galhos, enquanto meu filho revezava a conversa entre nós dois para não deixar ninguém dormir.

    Contávamos piadas, brincávamos com a situação. Ele até cogitou tentar nadar até a margem, mas eu não deixei.

    Quando o barco afundou, perdemos a direção. Sem luz, eu não sabia para qual lado estava a margem do rio e não quis que ele se arriscasse.

    Foram pouco mais de dez horas de apreensão, mas ninguém se apavorou. Muitas pessoas se apavoram e é aí que acontece algo ruim.

    Eu fiquei tranquilo e até falei para a Kazue: "Quase vamos dessa para uma melhor".

    Depois, quando já estava claro, meu filho pegou meu colete e eu falei que ele poderia ir, mas devagar, sem pressa. "Se der cãibra, para, descansa e depois volta a nadar", eu disse. A margem estava a mais ou menos um quilômetro de distância.

    Entre ele sair do local e o resgate chegar demorou mais ou menos uma hora. Eu estava com muito frio. Quando finalmente deitei no bote, descansei e pensei: "Até que enfim estou salvo".

    Apesar de tudo, quarta-feira volto para pescar de novo.

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