• Cotidiano

    Saturday, 04-May-2024 03:30:09 -03

    Minha História

    Artista plástica com câncer terminal constrói veleiro com ajuda da internet

    ESTÊVÃO BERTONI
    DE SÃO PAULO

    02/11/2014 02h30

    Elfriede, 59, sabe bem com quantos paus se faz uma canoa. "São 102 de cada lado", diz ela, que aprendeu na prática, colando ripas de madeira na carcaça de um barco.

    Durante os últimos 26 anos, a artista plástica e o marido, o representante comercial Jadyr, 56, se dedicaram a construir um veleiro em casa.

    Após mais de duas décadas postergando a conclusão por falta de dinheiro, o casal teve de se apressar.

    Em 2010, Elfriede Margarete Bleidorn Galera foi diagnosticada com um câncer de mama em estágio avançado. A doença atingiu o pulmão, o fígado e os ossos. Ela ouviu do médico que só viveria de quatro meses a dois anos.

    Arquivo pessoal
    O casal Jadyr, 56, e Elfriede, 59, no Augenblick, veleiro que construíram por 26 anos
    O casal Jadyr, 56, e Elfriede, 59, no Augenblick, veleiro que construíram por 26 anos

    Mas não entregou os pontos. No começo deste ano, aconselhada por amigos, publicou um vídeo em um site de financiamento coletivo pedindo ajuda para terminar o projeto. Com doações de 91 pessoas, arrecadou R$ 10.330. Só precisavam de R$ 9.000.

    Em junho, o barco de 8,80 metros de comprimento finalmente molhou o casco no mar de Guarujá (SP).

    Chama-se Augenblick o veleiro, hoje atracado em Ilhabela, no litoral paulista.

    O nome surgiu nos anos 80, após um comentário de seu pai, um imigrante alemão. Quando ela lhe contou que construiria um barco com o marido, ele respondeu: "Ein augenblick [um momento], pensei que vocês fossem construir uma família". Era o que ela tentava fazer.

    Elfriede conheceu Jadyr no começo da década de 70. Trabalharam na mesma empresa farmacêutica e se casaram em 1983. Ela sonhava em ter filhos, mas não conseguia engravidar. Um médico a aconselhou a não pensar no assunto. Mandou-a se distrair, por exemplo, criando um cavalo. "Mas o cavalo não cabia no apartamento", brinca.

    Num passeio na Marina da Glória, no Rio, o casal decidiu comprar um barco. Como não tinham dinheiro suficiente, adquiriram, em 1988, um projeto de veleiro. Começaram a cortar as primeiras placas de madeira num galpão da mãe de Jadyr na Brasilândia, na zona norte de SP.

    Logo depois, Elfriede engravidou. Nicole nasceu em 1990. Cinco anos depois, o casal teve Patrick.

    Os gastos deixaram de ir para o barco. Era preciso sustentar as crianças. Por oito anos, o veleiro ficou abandonado. Foi sendo retomado aos poucos nos últimos anos.

    Em 2003, levaram a embarcação para a casa que ergueram em Cotia, após venderem o apartamento em Santana, na zona norte da capital.

    A maioria das peças do barco foi presente de amigos. No fim da contas, o custo total do projeto foi de R$ 196 mil.

    Elfriede hoje se reveza entre o Augenblick e as sessões de quimioterapia, a cada 21 dias. Ela faz parte de um programa de pesquisa do Hospital Pérola Byington, em São Paulo. Seu câncer é incurável. A boa notícia é que o tumor diminuiu 40% desde dezembro, como conta Jadyr. No pulmão, ele desapareceu.

    A artista plástica já fez trabalhos voluntários levando pintura a crianças de rua e a pacientes com câncer. Quer lançar um livro com as fotos tiradas ao longo dos 26 anos de construção do veleiro. Também dá palestras.

    Seu plano mais ambicioso ainda não tem data: com o marido, quer percorrer a costa brasileira até o Caribe, passar pelas Bahamas e atravessar o estreito de Gibraltar. Ela já construiu o barco e a família. No momento, quer mais.

    Colaborou HUMBERTO SILVA, de São Paulo

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024