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    Professor do ES pede desculpas por declaração considerada racista

    JULIANA COISSI
    DE SÃO PAULO

    07/11/2014 18h47

    O professor Manoel Luiz Malaguti Barcellos Pancinha pediu desculpas a quem se sentiu ofendido com sua declaração sobre a preferência por um médico branco em detrimento de um negro.

    Segundo o docente da Ufes (Universidade Federal do Espírito Santo), suas frases foram mal interpretadas e ele jamais faria distinção entre dois profissionais por causa da cor da pele.

    Alunos do curso de ciências sociais denunciaram o professor à instituição depois dos comentários feitos em aula na última segunda-feira (3). Com a repercussão do caso, Pancinha deu entrevista ao site "Gazeta Online", na qual reafirmou que preferia ser atendido por um médico branco em vez de um negro.

    A universidade decidiu afastá-lo da função por 30 dias. Em nota, disse que a medida visa preservar a integridade física e intelectual tanto dos alunos como dos docentes. O reitor, Reinaldo Centoducatte, disse ter ficado "constrangido" com as declarações.

    Além de sindicância aberta pela universidade, o Ministério Público Federal capixaba instaurou procedimento para apurar a conduta de Pancinha. Para a OAB do Estado, as afirmações do docente configuram crime de injúria racial.

    Leia trechos da entrevista:

    Folha - Depois da repercussão de suas declarações, o sr. parece ter feito um pedido de desculpas.
    Manoel Luiz Malaguti Barcellos Pancinha - Olha, realmente, quem se sentiu ofendido, eu lamento, porque meu objetivo não foi ofender ninguém, de forma alguma. Se eu me excedi, se eu falei alguma palavra mal colocada, eu queria me desculpar. Tenho grandes amigos entre os alunos. Professor falando de improviso na sala de aula, às vezes alguma palavra atinge alguém.

    Em uma entrevista após o episódio em sala de aula, o sr. disse que, entre um médico branco e um negro com o mesmo currículo, o sr. ia preferir o branco. É essa a sua opinião?
    Não, não é isso, não. O "eu" que eu utilizei é em um sentido genérico. Quando a gente fala: "vocês pensam". "Vocês" é no sentido da humanidade, a sociedade. É uma maneira também didática, de você passar para os alunos de uma maneira mais simples uma situação complexa. Estou falando como professor dentro de uma sala, e nesse sentido seria o representante de uma instituição, eu não estou falando como uma pessoa. Estou falando como o doutor Manoel, estou numa sala de aula. E eu também nunca tive essa opção de escolher entre médicos. Ninguém escolhe médico.

    Mas o sr., como pessoa, preferia ser atendido por um médico branco?
    Não, olha... Eu tenho vários amigos médicos negros, e com os quais eu me consulto. Não há nenhum problema, nenhum problema. Minha namorada é negra. Minha família tem origem moura. Eu tenho cabelo encaracolado. Eu tenho uma trajetória, tenho livros publicados, tenho artigos, todos em uma direção contrária a essa que estão me acusando. Eu acho até um pouco ridículo o que está acontecendo. A minha vida é diferenciada, é voltada para combater o racismo, a discriminação, a pobreza, a desigualdade social. E isso não são só palavras.

    Dentro dessa discussão, o sr. parece que tem uma posição contrária às cotas a pobres e negros. É isso?
    Minha posição é contrária, mas não a eles. Acho que as cotas são uma forma de discriminação. E é uma opinião corrente. A cota é uma afirmação de que determinadas pessoas têm uma inferioridade e precisam de um auxílio para entrar. E é por isso que eu sou contra, porque não aceito discriminação de espécie alguma. Agora, já que está sendo implementada, eu acredito que os cotistas mereceriam um apoio fora do comum, que tivessem salas especiais para conversar, descansar, porque a maioria mora em outros municípios e não pode ir e voltar no mesmo dia. Deveriam ter uma pequena bolsa para comprar livros. Então deveriam ter um tratamento condizente com a ideia de cotas. Já que passou, então vamos implementá-la de maneira humana e de forma que faça essas pessoas poderem cursar em igualdade de condições as mesmas disciplinas. Se as cotas já passaram, o que a gente tem que fazer agora é auxiliar os cotistas. E que tipo sejam, não importa o tipo, a cor.

    Como o sr. recebeu a instauração de uma investigação na Procuradoria e as críticas da OAB?
    Com espanto, e esse espanto tem uma justificativa: a minha história. Uma história que não é só baseada em palavras, mas em trajetória de vida em diversos locais, contatos com determinadas pessoas que representam negros, oprimidos, pessoas discriminadas de alguma forma e as coisas que eu publiquei, nas amizades que eu tenho. Tudo isso me faz ficar perplexo frente à repercussão.

    A universidade o afastou. Que medidas vai tomar?
    Infelizmente vou ter que me defender, e já contratei advogados para conseguir me orientar. Porque estou perplexo. Eu não poderia nem sequer falar a favor da discriminação racial, porque é uma convicção tão arraigada, não falaria isso nem dormindo, nem hipnotizado, porque a minha vida inteira foi contra esse tipo de situação.

    A afirmação "de preferir médico branco a negro" não seria uma frase infeliz, uma frase até racista?
    Olha, o "eu" foi utilizado, "você" fez, "você" faz isso. "Você" está dando um exemplo da sociedade. E o "eu" a mesma coisa, só para simplificar o assunto. Eu falei "eu" porque os alunos prestam mais atenção.

    Mas em relação à frase, em si, do médico branco em relação ao negro?
    Isso não tem o menor cabimento, eu não poderia falar no meu nome, eu nunca tive essa experiência. Eu falei, como estava representando a sociedade, eu falei em nome da sociedade. A sociedade faz isso, é preconceituosa, é discriminadora, e o "eu" eu utilizei para chamar a atenção. É exatamente o oposto do que eu prego e participei a vida inteira.

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