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    Edifício-símbolo de SP, Copan afundou 33 centímetros em quase 50 anos

    FERNANDA MENA
    DE SÃO PAULO

    09/11/2014 01h45

    Há 43 anos, a cabeleireira Massami Ohe Ito repete o trajeto para acessar o salão que mantém na galeria comercial do Copan, um dos ícones de São Paulo, projetado por Oscar Niemeyer (1907-2012).

    Outro dia, ao caminhar pela calçada da r. Araújo rumo ao prédio, tropeçou. "Ué, mas o que aconteceu aqui?", diz ter exclamado, intrigada. "Percebi que a altura do degrau havia mudado porque, de repente, depois de todos esses anos, precisei levantar mais a perna", observa.

    Massami diz não ter sido a única a notar a diferença no nível da via, causada por um fato corriqueiro no âmbito da engenharia civil, mas que, por assustar os leigos, vem sendo mantido em segredo há quase 50 anos: o edifício Copan está afundando.

    O fenômeno, batizado de recalque, consiste no deslocamento vertical de uma edificação, que afunda no terreno sobre o qual está erguida.

    A alteração não causa necessariamente instabilidade, mas, para ser manejável, precisa ser monitorada e analisada em face de dados como estrutura, tipo de solo e velocidade da movimentação.

    De acordo com Affonso Celso Prazeres de Oliveira, síndico do Copan há 21 anos e morador há 50, o edifício já afundou 33 centímetros desde a sua construção, processo que foi monitorado pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) de 1955 até 2012.

    Segundo ele, após as obras da linha 4-amarela do metrô, em 2008, uma das quatro partes da construção, o corpo 3, onde estão os blocos C e D­, cedeu outros 5 cm além dos 33 antes computados.

    À época, o Ministério Público recomendou o acompanhamento de movimentações do prédio, o maior condomínio vertical da América Latina.

    Em nota, o Metrô avalia que a tese de que a linha 4 afetou a estrutura é "infundada" e "precipitada" e que o problema de recalque é crônico. Informa ainda que, durante as obras, "foram adotadas medidas para prevenir quaisquer interferências".

    ENTORNO

    Para José Carlos de Freitas, promotor da Habitação que pediu monitoramento de edifícios da região central para avaliar eventuais danos promovidos pelo metrô, a informação desse recalque pode levar à reabertura do inquérito que investigou o caso.

    Contemporâneo e vizinho do Copan, o edifício Itália parece não ter sofrido com a chegada do metrô. "Monitoramos cada trinca e não mudou nada", diz Rogério Campos Magalhães, responsável pela conservação do prédio.

    Segundo Gisleine Coelho de Campos, pesquisadora do IPT e uma das engenheiras responsáveis pelo monitoramento do Copan, outros edifícios do entorno podem já ter apresentado algum recalque, pela natureza do solo local.

    "Às vezes dizem que não houve recalque no edifício porque ele nunca foi monitorado e visualmente é impossível detectar movimentações de pequena magnitude."

    AREIAS FOFAS

    O tipo de recalque que não ocorre de forma homogênea em toda a base da edificação é chamado de diferencial. "Imagine uma pessoa que perde 5 cm numa perna e na outra não. Ela fica manca", ilustra a engenheira do IPT.

    A Folha pediu acesso aos laudos realizados pelo IPT, que só podem ser revelados com autorização da administração do Copan. "Esse é um assunto interno", disse o síndico. "Não quero criar corre-corre sem necessidade. Isso pode levar até à desvalorização dos apartamentos."

    Segundo engenheiros ouvidos pela Folha, quase toda construção sofre recalque. O afundamento da estrutura pode ter múltiplas influências, inclusive a passagem de metrô nas proximidades.

    "A trepidação do metrô pode participar de algum eventual recalque", explica o arquiteto e professor da FAU-USP Carlos A.C. Lemos, que desenvolveu o projeto e supervisionou as obras do Copan. Ele é autor do recém-lançado "A História do Edifício Copan" (Imprensa Oficial).

    "A tendência é que a estrutura se estabilize e pare de recalcar", explica Marcos Massao Futai, professor de engenharia civil da Poli-USP. "Mas há prédios que continuam a recalcar, mesmo que de forma reduzida, como parece ser o caso do Copan."

    O tipo de solo sob o edifício é chamado "areias fofas", deformável quando comprimido por estruturas pesadas. "O Copan foi projetado sem instrumentos de tecnologia acessíveis hoje e foi muito bem estudado à luz do conhecimento da época", frisa Gisleine Coelho de Campos.

    ROCKEFELLER CENTER

    No livro de Lemos, há relatos detalhados do projeto que nasceu nos braços da Companhia Pan-América Hotéis e Turismo (Copan) para ser o Rockefeller Center de São Paulo: um complexo de apartamentos, lojas, teatro, cinema, restaurantes e um hotel. Do projeto inicial, poucos itens foram construídos e a Copan, no feminino, se tornou o Copan, o edifício residencial com lojas no térreo.

    Ao recordar sua construção, Lemos trata dos "graves recalques diferenciais" que abriam as juntas de dilatação, destacando a solução do engenheiro Tadeusz Starzynski: macacos hidráulicos para compactar o solo e vigas para abraçar as colunas e devolver o edifício ao prumo.

    Desde então, o Copan voltou a afundar, mas por igual. Foram necessárias adaptações em pisos e a retificação do fosso de elevadores.

    "Hoje, não existe risco. O concreto armado é casamento indissolúvel entre concreto e ferro: um resiste à compressão, outro, à tração", diz Lemos. "Indeformável, ele aceita o desaforo do recalque."

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