Alunas da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) relataram publicamente nesta terça-feira (11) os estupros que supostamente sofreram em festas promovidas pela Atlética da FMUSP.

As duas estudantes, que pedem que seus nomes não sejam divulgados, prestaram depoimento em uma audiência pública realizada na Assembleia Legislativa. O objetivo do evento era apurar e denunciar casos de violência sexual e abusos ocorridos em trotes e nas festas da universidade.

As jovens relataram como foram abusadas e que sofreram uma pressão para que não denunciassem os casos para não "manchar a imagem da instituição". Elas relataram ainda que ficaram estigmatizadas na faculdade e que os agressores estão impunes.

Em recente entrevista ao portal UOL, empresa do Grupo Folha, que edita a Folha, uma das jovens relatou os abusos sofridos em 2011 na festa chamada "Carecas no Bosque". Ao adormecer, ela disse que foi estuprada por um funcionário terceirizado da festa.

Segundo ela, na faculdade diziam que se o caso viesse à tona, iria destruir a Atlética. Um ex-integrante da Atlética disse para a jovem que "a gente precisa abafar, primeiro para proteger a vítima e, segundo, porque isso vai destruir a festa".

A estudante Ana Luiza Pires da Cunha disse que na semana de recepção dos calouros são cantadas músicas preconceituosas e com incitação de atos violentos, principalmente, contra as mulheres. Segundo ela, negros e gays também são vítimas. Ana Luiza faz parte do Coletivo Feminista Geni, que tem 56 participantes e é um espaço de discussão e acolhimento das vítimas da violência. Ela conta que as participantes são vistas nos corredores da faculdade como "loucas e histéricas".

Durante a audiência, a estudante alertou que há uma falta de educação no curso de medicina sobre conceitos de respeito ao corpo e ao próximo. "É preocupante uma faculdade de medicina formar esses profissionais, que poderão atender vítimas de violência sexual, apesar de fazerem piadas sobre esses casos e culparem as vítimas".

Ana Luiza disse ainda que a nova diretoria da Atlética se mostra aberta a mudanças, mas há pressão dos alunos antigos.

FESTAS COM PROSTITUTAS

Além dos abusos sexuais das jovens, um outro estudante relatou na audiência que na tradicional festa chamada Show da Medicina são levadas prostitutas e que os alunos veteranos transam com elas em cima do palco. A promotora Paula Figueiredo Silva, que instaurou um inquérito civil há dois meses para apurar os casos, diz que o mais impressionante é que tudo acontece dentro do campus.

Segundo ela, foi feito um requerimento pedindo explicações da universidade não só sobre os estupros, mas relatos de estudantes vítimas de homofobia e racismo. Segundo ela, independente da questão criminal, a universidade precisa tomar medidas administrativas. "Esses alunos devem ser punidos e expulsos da faculdade, por exemplo", comenta.

A promotora afirmou ainda que o que mais assusta é que não são casos isolados. "Há uma omissão da diretoria e não há qualquer suporte às vítimas. Os casos são abafados para não prejudicar a imagem da faculdade",

Segundo ela, há relatos de jovens gays e de uma estudante negra que foram impedidos de entrar nas festas. "Um dos alunos, que estava acompanhado de seu namorado, foi questionar o motivo de ser barrado e apanhou", comenta.

A promotora relata ainda que nas festas os calouros são coagidos a beber. "Em uma das festas o novato bebeu tanto e mesmo desacordado era forçado a beber mais. Ele acabou caindo e teve traumatismo craniano. Infelizmente não são fatos isolados e demostram que há uma cultura de opressão e violenta contra a minoria", diz.

Uma comissão foi formada na faculdade por professores que começam a sinalizar o interesse da universidade de tratar sobre o problema. O Ministério Público, no entanto, não recebeu nenhuma resposta oficial sobre o assunto. Segundo a promotora, foi questionado o andamento das denúncias de violência em trotes e festas nos últimos anos. O prazo para a resposta acabou nesta semana, mas ela ainda espera que a universidade apresente as respostas e tome medidas eficazes o quanto antes.

A Faculdade de Medicina da USP informou que "se coloca de maneira antagônica a qualquer forma de violência e discriminação (com base em etnia, religião, orientação sexual, social) e tem se empenhado em aprimorar seus mecanismos de prevenção destes tipos de casos, apuração de denúncias e acolhimento das vítimas."

A instituição informou ainda que criou uma comissão com professores, alunos e funcionários para "propor ações de caráter resolutivo quanto aos problemas relacionados às questões de violência, preconceito e de consumo de álcool e drogas."