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    Crise da água

    Para novo relator da ONU, faltaram planos contra a crise da água em SP

    EDUARDO GERAQUE
    DE SÃO PAULO

    15/11/2014 02h00

    O mineiro Leo Heller, 59, terá, a partir de 1º de dezembro, a tarefa de relatar ao Conselho de Direitos Humanos da ONU a situação de regiões do mundo que não têm acesso adequado à água e ao tratamento de esgoto.

    Professor e pesquisador da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), Heller substituirá a portuguesa Catarina Albuquerque. O mandato no cargo é de três anos, renovável por mais três.

    Ele será responsável por um relatório anual ao conselho da ONU e duas missões a países selecionados pelo professor -que vai manter suas atividades na UFMG.

    Para ele, a atual crise hídrica em São Paulo é inaceitável. "Não parece plausível a desculpa de que fomos pegos de surpresa por uma estiagem muito prolongada. Não deveria haver essa surpresa."

    Heller é enfático ao dizer que "não poderia estar ocorrendo" a falta de água que atinge parte da população de cidades como São Paulo e de outras partes do Sudeste.

    Leia abaixo trechos da entrevista dele à Folha:

    *

    Folha - A falta de água está sempre ligada à escassez do recurso na natureza?
    Leo Heller - A falta de acesso à água é muito mais explicada pela falta de fornecimento de água do que por escassez na natureza.
    A região do Brasil que tem menos acesso é a Norte, apesar de a água ali ser muito mais abundante do que no resto do país.

    Não é a falta de água nos rios que explica essa baixa cobertura. É a falta de presença do Estado, de prestadores comprometidos em colocar água em todas as populações, independente de capacidade de pagamento e da condição econômica das pessoas.

    Mas o problema da escassez em si não tem um peso?
    Evidentemente que a falta de água na natureza é parte da explicação. A cidade de São Paulo é muito bem coberta por serviços de água. Mas o que está acontecendo no Estado é sazonal.

    Daqui a dois ou três meses, este problema não existirá, porque os reservatórios se recuperarão. Pode ser que no ano que vem, quando ocorrer de novo a estiagem, e as chuvas passarem, o problema retorne. Mas o caso de São Paulo poderia ser equacionado com outras fontes de água.

    No caso de São Paulo, a seca natural explica tudo?
    Não só São Paulo, mas várias cidades no Sudeste principalmente estão com falta de água. Esse problema não deveria ocorrer.

    Tanto do ponto de vista da legislação brasileira quanto do ponto de vista dos direitos humanos todos devem receber água com qualidade e continuamente.

    Por que isso está acontecendo? Porque existe uma oscilação das precipitações pluviométricas.

    Pessoalmente, acho que as mudanças climáticas globais deveriam fazer parte do planejamento dos sistemas de abastecimento de água.

    As secas vieram para ficar?
    Não parece plausível a desculpa de que fomos pegos de surpresa por uma estiagem muito prolongada. Não deveria haver essa surpresa.

    Deveríamos estar preparados para enfrentar essas situações de escassez. Todo ano tem cheia. Tem estiagem. Faltou incluir no planejamento essa variável das mudanças climáticas globais. Não é uma variável sem importância.

    Por que o acesso à água no Brasil está um pouco mais bem resolvido do que o do esgoto?
    Existe uma cultura no Brasil dos prestadores [de serviço] de que a água vem primeiro, depois se cuida do esgoto.

    Tem uma racionalidade econômica nesse processo, mas, do ponto de vista ético, não é viável. Tem que ter mais participação do Estado.

    A rigor, o ideal seria implantar ambos os serviços simultaneamente.

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