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    Para sobreviver, bairro irregular em SP espera por 'milagre'

    EMILIO SANT'ANNA
    DE SÃO PAULO

    16/11/2014 02h00

    Teresa espera o último dos oito filhos voltar do trabalho. Grávida de seis meses e com dores, Carla está acordada. Suas cinco crianças dormem. Daiane faz as contas. Iraci pensa nos R$ 35 que receberá para passar o sábado distribuindo panfletos com propaganda de apartamentos.

    Na rua de sugestivo nome Mar Eterno essas mulheres aguardam "por um milagre" que perpetue a permanência de suas famílias por ali.

    O local é um terreno de 10 mil metros quadrados invadido há quase dez anos no Jardim Lourdes, Guaianases, zona leste de São Paulo. Lá moram cerca de 900 pessoas, todas em casas de alvenaria.

    A nove dias da data marcada para a reintegração de posse e sem ter para onde ir, elas não têm muito mais em que se fiar para manter suas casas em pé além da intervenção divina que invocam. À decisão da Justiça cabe ainda um último recurso que pode adiar a saída forçada. Até agora, porém, os moradores só acumulam derrotas.

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    "O pior que pode acontecer a um ser humano é não ter endereço", desabafa Teresa, apelido pelo qual é conhecida a pernambucana Josefa Gomes de Oliveira, 56.

    A dona de casa é a "matrona" de uma família de 30 pessoas, entre filhos, netos, genros, noras e um bisneto, todos morando quase sob o mesmo teto e sua supervisão. Ela e o marido, José Cordeiro de Oliveira, 61, garantem ter pago a outro invasor R$ 3.500 por dois lotes em que construíram a sua casa e outras cinco para os filhos.

    Teresa diz não concordar em viver em um "lugar dos outros". "Não quero nada de graça, quero ter meu carnê e poder pagar ao dono", afirma.

    O local, porém, não está à venda, diz Edson Miragaia de Souza, advogado do proprietário do terreno, Hassan Wacked. E, ainda que existisse a intenção de negociar, afirma, eles não poderiam pagar. Em audiência de conciliação, a solução foi rechaçada. Para Souza, a desapropriação já é "fato consumado".

    É isso que tira o sono de Carla Conceição, 26. Aos seis meses de gravidez, ela divide a casa de três cômodos e chão batido com os cinco filhos e o marido, que vive de bicos. "Como vou dizer para essas crianças que o lugar onde elas moram vai ser derrubado?"

    Desempregada, sua casa contrasta com a de Teresa –bem-acabada e onde não faltam aparelhos eletrônicos, como uma câmera de segurança onde ela monitora a saída e a chegada dos oito filhos.

    PINHEIRINHO

    Assim como o Pinheirinho, área privada de onde foram retiradas, sob polêmica, 2.000 famílias em São José dos Campos (97 km de SP), há dois anos, no Jardim Lourdes também nasceram ruas, bares e lojas. As diferenças estão no tamanho e na fragilidade da articulação dos moradores.

    Eles não fazem parte e não recebem ajuda de nenhum movimento sem teto. "Apesar de menor, esta área é ainda mais solidificada do que o Pinheirinho", afirma o advogado André Albuquerque.

    Representante dos moradores, ele é diretor da Terra Nova –empresa social especializada em mediar conflitos de terras ocupadas irregularmente– e também atuou na reintegração no Pinheirinho.

    Diferentemente da invasão do Pinheirinho, o Jardim Lourdes é definido pelo poder público como área de interesse social: só pode receber moradias para baixa renda.

    Esse foi o principal argumento para que o terreno fosse desmembrado e vendido a eles. "Não faz sentido tirar essas 900 pessoas para depois colocar outras 900 com o mesmo perfil", diz Albuquerque.

    "Não tem por que não vender. Todo mundo aqui trabalha, queremos pagar", diz a manicure Daiane de Souza, 27.

    A duas casas dali, a ex-gari Iraci Carvalho, 58, parece mais resignada. A reintegração de posse está marcada para a terça 25. Se nesse dia for parar na rua, ela sabe que no sábado estará do mesmo jeito entregando propaganda de apartamentos no semáforo.

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