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    Ruídos causados por troca de mensagens no celular irritam paulistanos

    ROBERTO DE OLIVEIRA
    DE SÃO PAULO

    23/11/2014 02h00

    Pense num som irritante: alarme disparando "atenção, este veículo está sendo roubado", buzina de motos pedindo passagem, caixa-d'água enchendo de madrugada ou zumbido de pernilongo dando rasante na orelha.

    A lista de barulhos urbanos que incomodam os paulistanos ganhou mais um reforço: o ruído da vez é aquele emitido no troca-troca de mensagens pelo celular em SMS ou em aplicativos.

    "O som do WhatsApp lembra um apito de trem infantil. Só que de meigo não tem nada", descreve a confeiteira Giuliana Cupini, 39, que, há 20 dias, surtou por causa de um barulhinho desses.

    Com os olhos na massa do bolo e as mãos na tela do smartphone, ela respondia a uma sucessão de mensagens dos seis grupos dos quais participam cerca de cem amigos, cada uma delas avisada por um daqueles sinais sonoros.

    Karime Xavier/Folhapress
    "O som do WhatsApp lembra um apito de trem infantil", diz a confeiteira Giuliana Cupini, 39, que surtou por causa do barulhinho
    "O som do WhatsApp lembra um apito de trem infantil", diz a confeiteira Giuliana Cupini, 39, que surtou por causa do barulhinho

    Para piorar a situação, as pessoas do outro lado da linha dividiam as frases em palavras, enviadas separadamente, o que gerou um "baita apitaço" e acabou de vez com a paciência de Giuliana.

    Num surto de fúria high-tech, arremessou o iPhone 4S para longe da cozinha. Ele caiu de quina. No impacto, o canto inferior direito quebrou, e a tela estilhaçou-se.

    No dia seguinte, circulou entre os funcionários de sua empresa um regulamento interno, que proíbe o uso de aplicativos com o volume ligado durante o expediente.

    Em São Paulo, onde as pessoas vivem no limite da explosão, o simples barulho do envio de mensagens do celular pode funcionar, segundo o psicanalista Jorge Forbes, como "uma gota d'água no desencadeamento do ódio".

    Forbes diz que as pessoas não querem perder nada e, por isso, sentem a necessidade de estarem conectadas a todo momento até mesmo quando estão num restaurante, no cinema ou numa reunião. "Mas essa conexão nos torna escravos da expectativa. Isso porque a distância que separa o 'estar ligado' do vigiar é muito tênue e preencher a expectativa do outro desencadeia angústia."

    Diante do crescimento dos smartphones no Brasil, país com 128 milhões de linhas 3G e 4,1 milhões de 4G, segundo a Agência Nacional de Telecomunicações, o apito encontra espaço para proliferar.

    FLAUTAS E SAGUIS

    Estima-se que ao menos 38 milhões de brasileiros usem o aplicativo de mensagem WhatsApp, que se tornou, nas palavras do empresário Antonio Henrique Afonso Júnior, 51, o "novo Facebook". Ele pegou birra do ruído.

    Mantém o som do aparelho desligado e o celular de bruços. "Quando aquele símbolo verdinho aparece, é uma tentação", diz o empresário, que participa de uma dezena de grupos, que reúnem 200 pessoas, entre amigos, familiares e equipes de trabalho. "O WhatsApp está criando a geração do senso de urgência, como se todas as mensagens requeressem uma solução imediata. Ainda mais agora com o recurso que avisa quando elas são lidas."

    Da padoca ao cinema, da firma ao restaurante, o som está ao redor. Em uma apresentação de mímica, arte na qual o silêncio contribui para a performance, o "apito do trem infantil" colocou Alessandro Azevedo, 46, numa saia justa no momento em que ele incorporava seu personagem, o palhaço Charles, num sarau, em Pinheiros. "Teve gente que achou que o barulho do WhatsApp fazia parte do espetáculo", lembra. "Na verdade, quebrou a expectativa, o clima", diz ele.

    Karime Xavier/Folhapress
    Barulho do WhatsApp atrapalhou o ator Alessandro Azevedo, 46, durante um espetáculo
    Barulho do WhatsApp atrapalhou o ator Alessandro Azevedo, 46, durante um espetáculo

    O fato ecoou no seu dia a dia. Hoje, até mesmo um celular vibrando o incomoda. Sugere que o "muoommm" do WhatsApp seja substituído pelo som de uma flauta.

    Paraibano da pequenina Puxinanã, cidade com 13 mil habitantes, ele confessa que anda incomodado demais com a sonoridade incessante da mais barulhenta entre as metrópoles brasileiras.

    Na casa onde mora, na Vila Madalena, há um quintal apinhado de árvores, muitas delas frutíferas, que acolhem pássaros e até saguis. Lá promovem um outro tipo de barulheira. Desta, os ouvidos do palhaço acham graça.

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