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    Família roda o mundo de barco e para em Ubatuba

    JOSÉ MARQUES
    ENVIADO ESPECIAL A UBATUBA (SP)

    07/12/2014 02h00

    O segundo filho de Daniela Ambrosi, 36, e Marc Rosenfeld, 43, nasceu em um dia de tormenta na costa de Palma de Mallorca (Espanha). O veleiro Rusalka, local do parto, é até hoje o único lar que o garoto de três anos conhece.

    "Outro dia Pali me perguntou: 'Mãe, de onde eu sou?'", diz Daniela, emendando a resposta: "Ele é do mundo".

    O casal, originário da Cidade do México, viaja pelo mar há dez anos e desde setembro está ancorado em Ubatuba, no litoral norte paulista.

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    Eles calculam que, desde que partiram de Acapulco em direção à Europa, em 2004, já velejaram cerca de 200 mil km –aproximadamente cinco voltas ao redor da Terra.

    Além de Pali, eles têm a filha Uma, 5, nascida em solo mexicano e levada à Itália ainda bebê.

    A decisão de iniciar uma viagem sem destino final é um desejo de infância do casal, acostumado a velejar com parentes desde quando os dois eram crianças.

    "Sempre falam do sonho de navegar o mundo. Como não aconteceu com minha família, encontrei Marc, e Marc me encontrou", afirma Daniela, em "portunhol".

    O quarteto vive da renda de imóveis que têm na terra natal. Além disso, dão palestras sobre sustentabilidade nos locais onde atracam.

    SEREIA

    Quando atravessaram o Atlântico pela primeira vez, estavam no veleiro do pai de Daniela. Depois, começaram a navegar em barcos "emprestados", ganhando dinheiro para transportá-los de um local ao outro.

    Em 2008, encontraram Rusalka, um veleiro de médio porte, abandonado na Itália, e decidiram comprá-lo. O nome, que significa "Sereia" em eslavo, ficou -segundo Marc, rebatizar barcos dá azar.

    Rusalka comporta 12 pessoas. Tem quatro quartos, dois banheiros, cozinha e sala. Já havia passado pelas mãos de franceses e italianos e precisava de reparos.

    Enquanto faziam os consertos na embarcação, Uma nasceu, mas eles não pararam de viajar. Conseguiram colocar o barco próprio no mar em 2011, quando Daniela estava grávida de Pali.

    No Brasil, estiveram pela primeira vez em novembro do ano passado, em Fernando de Noronha. Depois, visitaram o litoral do Nordeste, do Rio e de São Paulo e pararam no Uruguai e na Argentina, antes de voltar.

    ATRAÇÃO TURÍSTICA

    Em Ubatuba até o dia 15 de dezembro, quando terminam as aulas das crianças, a família pretende passar o Natal no Rio e seguir em direção ao mar caribenho. Pali e Uma estudam em escolas Waldorf, com foco no desenvolvimento humano e muitas atividades manuais.

    Na cidade, os viajantes já viraram referência para as embarcações que levam turistas às ilhas da região.

    "Ontem um barco passou muito perto e buzinou. Eu disse 'Olá', e o capitão nos apresentou e contou nossa história como se fôssemos uma atração turística", riu Marc.

    Para o capitão de um desses barcos, Pedro Paulo Nobre, se os mexicanos ancoraram ali é porque, apesar de a cidade não estar nas principais rotas de veleiros, "eles gostaram da paisagem".

    No dia a dia, o casal tenta levar a vida da maneira mais normal possível. Cozinham e lavam roupa dentro de Rusalka. Três painéis solares fornecem parte da energia necessária para suprir a demanda de consumo, e a água que bebem é retirada do mar e dessalinizada.

    Marc é o responsável por fazer reparos no veleiro e Daniela, pela estética. Na quinta-feira (4), ele dizia que compraria tintas para pintar parte da proa e perguntava a ela qual cor deveria utilizar. "Eu sou engenheiro, ela é arquiteta", explicou.

    As crianças, segundo os pais, já estão acostumadas à rotina de viagens. Durante longos períodos em alto mar, dormem várias vezes ao dia, mas durante poucas horas, para ficar ao lado dos pais nos plantões de navegação.

    SEGURANÇA

    O casal afirma que o maior perigo no oceano são as ondas. Nessas horas, a principal medida a se tomar é fechar as escotilhas e portas do veleiro para que a água não entre. Rusalka, segundo Marc, é revestido de chumbo no casco, um material pesado que dificulta naufrágios.

    Ele diz que acha a vida em terra menos segura que no mar. "Aqui, você tem a vida em suas mãos e pode lutar por ela. Diferente da cidade, onde, se alguém te assalta com uma arma, é essa pessoa que vai estar com a sua vida nas mãos", diz.

    Ao serem questionados se não pensam em voltar a viver em terra firme no futuro, Daniela dá uma breve risada e responde: "Não pensamos. Vivemos o agora e, agora, estamos bem".

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