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    Infraestrutura e novos lançamentos atraem jovens para morar no centro

    ANA TEREZA CLEMENTE
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    27/01/2015 02h00

    Com uma ampla oferta de restaurantes e museus e com estações de metrô e linhas de ônibus para todos os cantos da cidade, o centro de São Paulo está atraindo um novo público.

    Formado em sua maioria por jovens de até 35 anos, o grupo inclui solteiros, divorciados, recém-casados, executivos, estudantes e pequenos poupadores. Todos em busca dos serviços que existem de sobra por ali.

    O perfil de quem está agora se dirigindo ao centro difere do morador tradicional da região, em geral mais velho.

    Com base na teoria de que a vida afasta a degradação e gera uma cidade melhor para circular, o arquiteto e urbanista Ciro Pirondi, diretor da Escola da Cidade, defende que a volta à moradia no centro é irreversível. Para ele, que vive na região há 50 anos, a cidade não pode servir apenas para a passagem de mercadorias.

    "O centro, ao contrário da Berrini [avenida no Itaim Bibi] que precisou de um investimento público imenso, já tem infraestrutura básica. Basta que se leve as pessoas para lá", afirma.

    De 70 a 80% dos novos compradores do centro são investidores, ou seja, compram na planta para fazer negócio; os outros 20 a 30% restantes são usuários finais.

    O apartamento compacto, com valor final considerado mais acessível do que em outras regiões da cidade, se tornou atraente para esse comprador. "O preço por metro quadrado varia, em média, de 9 a 15 mil reais", diz Bruno Vivanco, vice-presidente comercial da Abyara Brokers Vivanco.

    O recente boom de lançamentos na região está relacionado ao crescimento econômico do país até 2010 e não a procura atual. Para Vivanco, o mercado imobiliário não responde com tanta presteza. "É longo, do planejamento até o lançamento lá se vão de quatro a seis anos."

    OVINHOS DE CODORNA

    A designer de interiores Elisabeth Santos, 36, pretende deixar uma casa de 600 metros quadrados no Ipiranga, que divide com a família há 20 anos, para se instalar em um apartamento com menos de 20 metros quadrados na rua da Consolação, no centro em até dois anos.

    Com dinheiro guardado ela comprou, numa tacada só, duas unidades no prédio, que ainda está em construção. Ela apelidou os apartamentos de "ovinhos de codorna". A princípio, ia unir os dois em um estúdio mais confortável, mas desistiu da ideia. "Dá para morar em um e investir no outro", explica.

    A ideia é alugar o segundo, sobretudo para estudantes de olho nas comodidades que a região oferece.

    A própria Elisabeth pretende economizar tempo com a mudança. "Gosto da vida lá [no centro], há saída para todos os lados de São Paulo, para além de gastronomia e teatro. Quero mudar de ares, ficar mais dona do meu nariz. Acho que vou me adaptar bem" afirma.

    Atualmente ela se desloca regularmente do Ipiranga para a Vila Mariana, onde trabalha, e para a Vila Madalena e a Lapa atrás de lazer.

    Esse movimento migratório que determinado público vem fazendo em direção ao centro foi captado pelas incorporadoras, que passaram a lançar imóveis com áreas de lazer –sala de fitness, piscina e bicicletário estão entre os itens das campanhas publicitárias. Bem diferente de anos atrás, quando duas vagas na garagem eram a cereja do bolo. "A região estava desabastecida de moradias modernas", diz Vivanco. "A grande maioria dos imóveis é de 30 a 50 anos atrás, alguns com 400 metros quadrados."

    Por mais de uma década, o centro de São Paulo se ressentiu da falta de lançamentos imobiliários porque as construtoras deram preferência a bairros nobres, como Brooklin, Campo Belo e imediações da avenida Luís Carlos Berrini. De dois anos para cá, porém, com a operação urbana decretada pela prefeitura, houve um aumento do potencial construtivo dos terrenos e a região se tornou atraente de novo.

    "A demanda é muito forte para apartamentos compactos, de 20 a 45 metros quadrados", diz Fábio Sousa, diretor comercial do Grupo Esser, misto de incorporadora e construtora. Somente para este ano, a previsão é de que esse grupo lance cinco edifícios no centro.

    Morar em uma quitinete nessa região da cidade parece não ser uma moda passageira, até por causa do reconhecimento de que a mobilidade urbana é, hoje, primordial para a qualidade de vida. Do centro é possível se deslocar facilmente para qualquer outro bairro. "Ali, o transporte público é muito efetivo", diz Sousa.

    O momento vem se mostrando propício a novos negócios para públicos distintos, de baixo a alto poder aquisitivo. "Meu produto mais barato, hoje, fica perto da estação da Luz e custa 230 mil reais", completa ele.

    O que falta ao centro, na visão do urbanista Pirondi, é uma série de gentilezas urbanas, como implantação de bancos para descansar, ampliação das calçadas para se andar a pé com maior segurança, maior circulação de bicicletas em contraponto ao uso de carros.

    Para ele, seria necessário imprimir uma mudança estrutural no trânsito de automóveis, que não deveriam circular e estacionar nos poucos mais de três quilômetros que separam a Praça da Sé da Praça da República, por exemplo.

    "Inventamos a cidade para nos reunirmos, para nos encontrarmos, e por que ainda compramos passagem para ver as cidades bonitas que outros fizeram?", questiona o urbanista.

    COPAN

    Em São Paulo, sempre há muitos interessados em morar no Copan, símbolo arquitetônico da cidade, projetado por Oscar Niemeyer. Síndico do prédio há 22 anos, Affonso Celso Prazeres de Oliveira lista as vantagens: maior concentração de fibra ótica da região, facilidade de diversão, restaurantes e compras.

    Boa parte dos que ali chegam é formada por arquitetos, e 30% dos moradores são jovens, dispostos a pagar de R$ 900 (uma quitinete de 26 metros quadrados) a R$ 5.400 (uma unidade com 209 metros quadrados e garagem).

    Como ponto negativo, o síndico aponta a falta de segurança, já que parte do centro tem a presença de usuários de crack. Por enquanto, recomenda que se ande sempre em grupo para se precaver contra a violência.

    Depois de dez anos na Argentina o catarinense Alberto Lung, de 25 anos, se mudou para há dois anos para uma quitinete no Copan. Com o contrato de aluguel vencendo, ele e seu companheiro, Thiago Antunes, 21, agilizaram a mudança para outro apartamento no mesmo prédio.

    A nova casa tem 56 metros quadrados e um quarto. "O centro está se reconstruindo e, ao mesmo tempo, tem certa decadência charmosa. Gosto de ver as pessoas de verdade que moram aqui, quando saio do metrô, algo que não encontro na Faria Lima, onde trabalho", afirma ele.

    Vizinho do roqueiro Supla, Alberto e Thiago são embalados, a partir do meio-dia, pelos ensaios do rapper Mano Brown, outro morador famoso que costuma contemplar os moradores com suas músicas.

    É da diversidade de atrações e de pessoas que existem no prédio que Alberto mais gosta: do restaurante vegano à galeria de arte Pivô, das senhorinhas que lá moram a um músico com quem pode conversar por mais de hora. "Desde que estou aqui, o prédio mudou para melhor, soube explorar bem os espaços que tem e atrair vários públicos."

    O clima de camaradagem e de integração com o que existe no perímetro do prédio termina, para Alberto, com o pôr do sol. "Gosto do centro durante o dia, quando ele está vivo, quando paro para ver alguém cantando nas ruas perto do Municipal [Theatro Municipal, na praça Ramos de Azevedo]. À noite não, a partir das 23 horas a escuridão engole as pessoas. Já tivemos que encarar o que descrevemos como apocalipse zumbi, muita gente fumando crack no meio da rua. Deu muito medo", diz.

    Esse é o único senão da dupla, que paga pouco mais de R$ 1.200 de aluguel e R$ 200 de condomínio sem nenhum arrependimento. "É preciso superar a cultura do medo. As pessoas precisam entender que a cidade é delas, que elas têm de reocupar o espaço público. Quando se leva vida àquilo que não tem vida, valoriza-se o lugar", afirma o urbanista Pirondi.

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