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    Crise da água

    Bairro da zona norte de SP volta a viver período de seca após 46 anos

    FABRÍCIO LOBEL
    DE SÃO PAULO

    01/02/2015 02h00

    O barulho dos cascos das mulas sobre o piso de pedras era ouvido a longa distância. De sapatos, camisa, os barulhentos meninos desciam das carroças para encher os baldes de metal na única torneira da Vila Medeiros, na zona norte de São Paulo, ligada à rede de distribuição de água.

    Em 1969, a Grande São Paulo vivia o que era até então a maior a estiagem daquele século. A situação obrigou a prefeitura a adotar severo sistema de racionamento.

    Atualmente, os moradores do mesmo bairro se perguntam se terão que voltar aos hábitos daquele tempo.

    Em 1969, a principal fonte de água da cidade era a represa de Guarapiranga, na zona sul, que atendia a 70% da população. Depois de uma severa seca, chegou a 10% de sua capacidade.

    Na época, o racionamento atingiu os moradores de toda a zona sul e parte da zona oeste, que ficavam sem água 24 horas a cada três dias.

    set.69/ Folhapress
    Garoto busca água na estiagem de 1969, na Vila Medeiros
    Garoto busca água na estiagem de 1969, na Vila Medeiros
    Zanone Fraissat/Folhapress
    Paulo de Almeida, 91, que teme o rodízio de água no bairro
    Paulo de Almeida, 91, que teme o rodízio de água no bairro

    Agora, a Sabesp estuda adotar um rodízio ainda mais severo. Uma das hipóteses cogitadas é deixar as torneiras das casas secas por cinco dias em uma semana.

    Naquele ano de 1969, a relação dos bairros que teriam cortes de água não era avisada com antecedência pela prefeitura. Temia-se que a população estocasse água em casa, afetando assim, o objetivo de economizar água.

    Quem fosse visto lavando a calçada, o carro ou regando o jardim podia ter o fornecimento de água suspenso por três dias.

    Reincidentes podiam ficar até 15 dias sem água.

    Quem ficasse sem água, em caso de emergência, poderia ser socorrido por um dos caminhões pipa que rodavam a cidade.

    Com o agravamento da crise, no entanto, a prefeitura teve que suspender o abastecimento emergencial em alguns estabelecimentos como clubes, postos de gasolina e saunas. A prioridade deveria ser dada a hospitais, creches, asilos, escolas e domicílios de bairros mais atingidos.

    Para contornar a crise, especialistas apontavam a possibilidade de captação de água da represa Billings.

    Quarenta e seis anos depois, a represa que recebe água dos rios Tietê e Pinheiros voltou a ser considerada uma alternativa. Em 1969, no entanto, a poluição da Billings fez a ideia ser descartada.

    VILA MEDEIROS

    Na Vila Medeiros, onde nem ao menos havia abastecimento oficial em 1969, a estiagem também causava transtornos.

    "Por aqui, todas as casas tinham poços. Mas, em tempos de pouca chuva, eles secavam. Foi assim até que abriram a torneira pública, na esquina", conta Paulo de Almeida, 91. Durante anos, ele foi presidente da entidade de moradores responsável por convencer o governo a instalar uma torneira na vila.

    A inauguração rendeu até festa no bairro."Eu mesmo cansei de buscar água para a família na torneira", diz o segurança Luiz da Silva, de 50 anos vividos no bairro.

    Mais de 45 anos depois das jornadas de baldes nos ombros, Luiz se pergunta se não terá que recorrer ao velho método para conseguir água para sua casa.

    "Aqui em casa, no final da tarde, a água já começa a faltar. Tem uma hora que não sai nada da torneira e a gente só volta a ter água no dia seguinte", diz ele."Será que a gente vai ter que voltar ao tempo dos baldes?"

    Embora a Sabesp ainda não tenha instaurado o racionamento entre bairros de São Paulo em 2015, a redução de força com que a água é enviada para a casa dos moradores faz com que muitos fiquem sem abastecimento em toda a Grande São Paulo.

    Com a grave estiagem de 1969, o governo acelerou a construção do que viria a ser o maior sistema de represas da Grande São Paulo, o Cantareira. O novo sistema, no entanto, não foi capaz de impedir mais outras estiagens que voltaram a atingir São Paulo.

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