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    Crise da água

    Estado de SP cobra pelo uso da água em só 26% de seu território

    NATÁLIA PORTINARI
    DE SÃO PAULO

    06/02/2015 12h00

    Contrariando lei promulgada pelo próprio Estado há 23 anos, o governo de São Paulo só cobra pela água retirada diretamente de rios e poços paulistas em 26% de seu território.

    Essa gratuidade favorece grandes consumidores, como a indústria e a agricultura. No último caso, produtores de feijão, soja e milho utilizam regularmente água retirada dos rios.

    Indústria e irrigação agrícola são responsáveis por 37% e 22%, respectivamente, de toda a água utilizada no Estado, segundo a Agência Nacional de Águas.

    A situação contraria lei promulgada pelo próprio Estado em 1991, que instituiu a obrigatoriedade da cobrança, e dificulta o controle sobre as retiradas das bacias.

    A cobrança é prevista também por leis federais, sendo excetuadas só pequenas quantias para subsistência, consideradas insignificantes. Não se trata de cobrar por serviços de abastecimento, o que companhias como a Sabesp já fazem, e sim de uma cobrança pela própria água, retirada diretamente.

    Das 21 bacias hidrográficas paulistas, apenas seis cobram pelo uso da água.

    Nas demais, é preciso seguir todo um trâmite até a aprovação, que inclui a iniciativa da própria bacia e a aprovação da proposta de cobrança pelo governo de SP.

    Estados como o Rio de Janeiro e o Ceará já implementaram a medida em todo o território. No Rio, com área 83% menor que a de SP, esse tipo de arrecadação atingiu R$ 24 milhões ao longo de 2013, 60% do que foi arrecadado em São Paulo (R$ 40 milhões).

    O valor arrecadado é revertido em obras na própria bacia, como ocorre nas bacias federais, nas quais a cobrança já ocorre desde 2006.

    Procurada, a Secretaria Estadual de Saneamento e Recursos Hídricos afirmou que "todo usuário de água superficial ou subterrânea que consome parte do volume captado e lança efluentes deve pagar pelo uso da água".

    AGRICULTURA

    Nas bacias paulistas onde há cobrança, ela ainda não se estende à agricultura.

    Falta regulamentação estadual para o setor, que depende do Conselho de Recursos Hídricos, órgão da Secretaria de Saneamento e Recursos Hídricos.

    Malu Ribeiro, coordenadora da SOS Mata Atlântica, afirma que, entre os usuários das bacias, o desperdício de água é maior na agricultura, que perde cerca de 70% dos volume retirado para irrigação, devido à evaporação e à contaminação por agrotóxicos, por exemplo.

    "Nos dados oficiais, parece que a agricultura usa muito menos água do que realmente usa, porque são calculados com base em quem está regularizado", diz.

    Muitos produtores retiram água sem ter outorga, que é a regularização necessária. Pelas números da ANA, a agricultura outorgada consome cerca de 78,5 mil litros por segundo, ante a 132 mil l/s da indústria –volumes equivalentes à produção de 4 e 6,5 sistemas Cantareira, respectivamente.

    Atualmente, há mecanismos de controle que medem o volume de água dos rios, mas não há equipamentos para registrar quanto cada agricultor retira diretamente. O Estado apenas fiscaliza pontos específicos quando são feitas denúncias.

    Vicente Andreu, presidente da ANA, contesta a visão do terceiro setor sobre a irrigação agrícola. "Não concordo que a agricultura é a grande vilã. 85% da população do Brasil é urbana. Não é razoável cortar a água da irrigação e as pessoas continuarem lavando a calçada nas cidades".

    Glauco de Freitas, representante da ONG WWF-Brasil, afirma que o governo deveria não só cobrar pelo uso, como também incentivar o uso de métodos de irrigação que economizam água e são mais baratos, como o microgotejamento (método que distribui a água pelo terreno em mangueiras rentes ao chão, diferente do pivô central que é utilizado normalmente).

    Freitas também destaca que São Paulo detém 17,7% da área de agricultura irrigada do Brasil, uma proporção alta para um território com cerca de 3% da área do país.

    À Folha, a Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de SP defendeu que "os valores sejam compatíveis com a lucratividade das atividades rurais e estimulem de fato a racionalização do uso".

    Já a Fiesp (Federação das Indústrias do Estado) posicionou-se favorável à cobrança pelo uso de água, mas ressaltou a necessidade de uma regra clara no pagamento, eliminado qualquer imprevisibilidade dos valores a serem cobrados.

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