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    Tia de executado na Indonésia diz ter sido extorquida na prisão

    RICARDO GALLO
    DE SÃO PAULO

    08/02/2015 02h00

    A advogada Maria de Lourdes Archer Pinto, 61, diz ter sido obrigada a pagar propina a um motorista da prisão na Indonésia para conseguir ver o sobrinho, Marco Archer Cardoso Moreira, 53, horas antes de ele ser ter sido executado, em 18 de janeiro (tarde do dia 17 no Brasil).

    "Sofri toda a sorte de humilhações", disse. Dois funcionários do governo brasileiro testemunharam o episódio -um deles também o relatou à Folha. Na sexta (6), a reportagem não conseguiu contato com a embaixada da Indonésia em Brasília.

    Maria de Lourdes foi a última a ver Marco vivo, no complexo penitenciário de Nusakambangan, em Cilacap, a 400 km de Jacarta.

    divulgacao
    Maria de Lourdes e uma amiga durante a ida dela à Indonésia para execução do sobrinho
    Maria de Lourdes e uma amiga durante a ida dela à Indonésia para execução do sobrinho

    Ao relembrar os últimos dias, agradeceu a ajuda do Itamaraty e diz que deixou o sobrinho supor que ela o visitaria no dia seguinte.

    Primeiro brasileiro executado em tempos de paz, Archer fora preso em 2003, ao tentar entrar no país com 13,4 kg de cocaína. Ele foi cremado -as cinzas serão depositadas em um cemitério de Manaus nas próximas semanas.

    *

    Folha - Como foram as últimas horas da senhora antes da visita ao Marco?
    Maria de Lourdes Archer Pinto - No sábado, véspera da execução, foram duas horas de tremenda tortura e sofrimento à espera da liberação da visita pelas autoridades. Para completar, fui extorquida no momento em que o ônibus me levaria até a prisão, para vê-lo pela última vez.

    Como foi?
    O ônibus não saía do lugar e ficou simulando esperar outras pessoas -e o tempo estava passando. Ao propor dinheiro, imediatamente me levaram à prisão. Se não pagasse, eles não sairiam. Foram tão corruptos que sabiam que não levava dinheiro -era proibido levar bolsa à visita- que foram buscar a propina no hotel em que estava, no mesmo dia [antes de Marco ser morto]. Pediram 500 mil rúpias indonésias (R$ 109) e dei 300 mil (R$ 66).

    E a última visita ao Marco?
    Não houve clima de último encontro, último pedido, porque deixei que ele pensasse que eu voltaria domingo para visitá-lo e que o Papa poderia reverter o quadro [o Itamaraty chegou a pedir ao Vaticano que interviesse]. Mas nosso encontro foi em clima de muito amor, abraços, beijos e choro.

    Como ele estava?
    Estava muito nervoso e agitado. Não acreditava no que estava por vir. Perguntei se ele havia se arrependido do que fez [do tráfico de drogas]. Ele disse que sim. Aí rezei uma Ave Maria. O Marco disse que seria morto, mas que os chefões da droga continuariam vivos na prisão.

    De que maneira a senhora soube que ele seria executado?
    Recebi uma mensagem urgente de um guarda da prisão de que o Marco havia sido retirado da cela e isolado para execução. Foi um desespero, mas consegui antecipar minha viagem para lá [ela já iria visitá-lo]. Cheguei lá depois de 48 horas de avião, mais dez horas de carro, sozinha e sem saber falar inglês.

    Ele nunca escondeu envolvimento com o tráfico de drogas. Como foi a relação da senhora com ele?
    Foi tudo muito difícil desde o início, primeiro por nunca ter sido mãe e pela pouca convivência com Marco nos últimos 30 anos. Eu morava em Manaus e ele em Bali. Passei a ter contato com ele depois que minha irmã morreu, em 2010. Tivemos conflitos no início, mas graças a Deus tivemos tempo para reconstruir nossa relação familiar. Agora estou me recompondo, embora com muitas saudades, pois nos falávamos quase que diariamente.

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