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    Ação judicial para acesso ao SUS explode em cinco anos

    NATÁLIA CANCIAN
    DE BRASÍLIA

    07/03/2015 02h00

    Mesmo após ter descoberto cinco novos tumores, Thaís Aisnar, 21, que já perdeu um rim para o câncer, teve que esperar cinco meses pelo medicamento que precisava.

    Para o poder público, o remédio indicado pelos médicos, ao custo de R$ 19 mil, era muito caro. "Fiquei preocupada. A gente foi em tudo que é canto pedir o remédio e não deu certo", relata a jovem.

    A solução só veio em dezembro, após a garota recorrer à Justiça para obter o tratamento. Uma alternativa que cresce em todo o país.

    Ernesto Rodrigues/Folhapress
    Wandir Pimenta,71, tenta na Justiça conseguir um dos novos medicamentos para hepatite C
    Wandir Pimenta,71, tenta na Justiça conseguir um dos novos medicamentos para hepatite C

    Dados obtidos pela Folha via Lei de Acesso à Informação mostram que, em cinco anos, a busca pelo direito à saúde levou o Ministério da Saúde a repassar R$ 2,3 bilhões para custeio de medicamentos e tratamentos após determinações judiciais.

    O valor é quase o dobro do total que o governo gasta, por ano, com o Mais Médicos. E fica pouco abaixo das despesas do programa Farmácia Popular, que dá desconto para compra de medicamentos.

    Só em 2014, o valor repassado para cumprir determinações judiciais foi de R$ 871 milhões –é a maior quantia já registrada por esse motivo.

    Em 2010, os gastos com demandas judiciais representaram R$ 183 milhões (todos valores corrigidos pela inflação).

    Em geral, as ações ocorrem quando um medicamento ou tratamento não está disponível na lista do SUS, que elenca os procedimentos custeados pelo poder público.

    Ou ainda, porque, mesmo sendo obrigação do Estado, o produto não chega às unidades de saúde e farmácias de algumas regiões do país.

    Em 2014, R$ 727 milhões foram destinados para fornecimento de medicamentos. Ao todo, foram 12.932 ações, contra 5.966 em 2010 –apenas em ações contra a União.

    Levantamento do Conselho Nacional de Justiça em tribunais estaduais e federais elenca 393 mil processos em tramitação por razões de saúde.

    Entre eles, está o pedido do aposentado Wandir Pimenta, 71, que, após fazer duas vezes o tratamento contra hepatite C com medicamentos disponíveis no SUS, sem melhora, tenta na Justiça receber remédio, disponível só no exterior.

    Especialistas apontam como fatores por trás do aumento das demandas judiciais o maior acesso da população à Justiça, o avanço na descoberta de novos tratamentos e a demora na inclusão de medicamentos no SUS.

    Desde 2012, 114 novos medicamentos e procedimentos foram incorporados à rede pública. "Mas é muito pouco se comparado a quanto estávamos defasados", rebate Julius Conforti, advogado e especialista em direito à saúde.

    CUSTO

    Apesar do maior acesso da população à Justiça, os processos em excesso podem comprometer projetos mais amplos na área da saúde, segundo avaliação do governo e de alguns especialistas.

    "É preocupante porque é uma parte extra que está entrando no nosso orçamento e reduzindo outras ações", afirma Jarbas Barbosa, secretário de ciência e tecnologia do Ministério da Saúde.

    Opinião semelhante tem Deborah Ciocci, do Fórum de Saúde do Conselho Nacional de Justiça. "De início, não é um fenômeno negativo. Ocorre que o Judiciário, que deveria apenas ser utilizado em caso de grave ineficiência ou ilegalidade, vem sendo a primeira alternativa", diz.

    Editoria de Arte/Folhapress
    Cresce o volume de ações contra o governo por medicamentos e tratamento
    Cresce o volume de ações contra o governo por medicamentos e tratamento

    "Por vezes, toda uma política pública a uma região é comprometida pela concessão de tratamento a apenas um indivíduo", afirma.

    O advogado e especialista em direito à saúde Julius Conforti rebate. Para ele, o Estado precisa levar em conta os custos do tratamento como um todo –em alguns casos, diz, medicamentos mais novos podem ter tratamento mais rápido e diminuir a chance de complicações, o que reduziria custos futuros.

    É o que defende Ana Paula Albertini, 37, que precisou obter um remédio para a filha por via judicial. Segundo ela, após receber o medicamento, que custa R$ 14 mil, a adolescente já leva uma vida normal. Antes, a menina tinha problemas para a coagulação do sangue e corria o risco de hemorragia cerebral.

    O Ministério da Saúde diz apostar na inclusão de novos medicamentos na lista da rede pública, na compra de produtos e no contato com tribunais como forma de diminuir o número de processos.

    Nesse caso, a ideia é orientar os juízes a oferecer alternativas ao tratamento também eficazes e com custo menor ao poder público.

    "Há medicamentos mais caros que não têm nenhuma vantagem ou segurança", afirma Jarbas Barbosa.

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