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    Por medo de perder vaga em abrigo, africanos integram grupo por moradia

    FELIPE SOUZA
    DE SÃO PAULO

    10/03/2015 02h00

    Sete famílias de angolanos, congoleses e nigerianos ocupam um hotel abandonado na região central de São Paulo e integram o recém-criado MMBE (Movimento Moradia Brasileiro Estrangeiro).

    Com medo de perder uma vaga no abrigo estadual onde dormem há três meses, elas agora passam o dia no imóvel na esquina da avenida Brigadeiro Luís Antônio.

    A maioria dos estrangeiros sem teto chegou ao Brasil após fugir de uma guerra civil na República Democrática do Congo, em 2014.

    Hoje, participam do movimento criado no último mês exclusivamente para eles.

    Ernesto Rodrigues/Folhapress
    Grávida, a congolesa Elysse na ocupação onde passa o dia em São Paulo; no canto, à dir., sua conterrânea Amadi
    Grávida, a congolesa Elysse na ocupação onde mora em SP; no canto, à dir., sua conterrânea Amadi

    O fundador e presidente do MMBE, o brasileiro Cícero Cláudio Facundo da Costa, 31, diz que o grupo surgiu devido à grande demanda de moradias para estrangeiros.

    "Resolvemos criar um movimento sem restrição de nacionalidade porque há muita discriminação com estrangeiros. Resolvemos acolhê-los e dar assistência necessária."

    Os únicos brasileiros que moram nos 17 cômodos do local são voluntários, como um pedreiro e um advogado.

    A congolesa Amadi Luthia Lucie, 37, procurou o grupo após entender que seria despejada do abrigo Terra Nova, do Estado. Sozinha, ela deixou o país de origem há três meses num navio após se perder do marido e dos filhos durante um ataque armado.

    "Quando começaram as bombas, corri com meu marido e meus seis filhos para a floresta. A mais velha, de 18 anos, morreu. Me perdi e não consegui falar com ninguém desde aquele dia", afirmou.

    Ainda assim, Amadi não desanima com o fato de que, na ocupação, dormirá sobre um colchão velho e úmido num cômodo com entulho e infiltrações. "Aqui, pelo menos tenho comida, estudo português e acredito que vou conseguir um emprego logo."

    Cada família pagou R$ 100 ao presidente do MMBE para participar do movimento. Ele disse que o dinheiro servirá para comprar telhas e encanamentos e pagar um porteiro para ficar no local.

    A congolesa Elysee Makanzu, 33, está grávida de oito meses e passou a fazer parte do movimento sem-teto com medo de dormir na rua.

    "Eu fugi da guerra sem meu marido e tenho que começar uma nova vida aqui. Tenho um CPF, carteira de trabalho. Só falta o emprego."

    Já a angolana Isabel Matos, 19, que deixou o país em busca de um emprego, só voltará ao país para ver a família.

    "A América é melhor que a África, mas agora meu sonho é conhecer a Europa", diz.

    'ALICIAMENTO'

    O secretário estadual do Desenvolvimento Social, Floriano Pesaro, disse que essas famílias não serão expulsas do abrigo. "O Terra Nova tem capacidade para 50 pessoas. Elas podem ficar três meses, mas é renovável por mais três e pode ainda expandir", diz.

    Ele negou que a congolesa Amadi terá de deixar o local e diz que ela já tinha sido orientada a não entrar para o MMBE. "É evidente que há um aliciamento. Isso fere os direitos do refugiados, que estão sendo enganados, porque pagaram R$ 100 e vão pagar muito mais", afirmou.

    A Prefeitura de São Paulo possui desde 2014 um Centro de Referência e Acolhida para Imigrantes, com capacidade para atender 110 pessoas.

    Procurada pela Folha, a proprietária do imóvel, cujo valor venal é de R$ 6 milhões, não foi localizada.

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