Com medo das ameaças do governo de Cuba para que seus familiares retornem ao país, médicos cubanos que atuam no interior paulista rejeitam até uma bolsa-auxílio oferecida a seus filhos.
A Câmara Municipal de Agudos (a 313 km de São Paulo) aprovou no dia 2 um projeto de lei que prevê o pagamento de uma bolsa aos filhos de cubanos do Mais Médicos que atuam na cidade de 35 mil habitantes na região de Bauru.
Para receberem R$ 550 por filho, os médicos precisam cadastrar a criança e comprovar sua dependência econômica e a permanência regular em território nacional.
Cristiano Zanardi/Folhapress | ||
Moradores de Agudos (SP) aguardam atendimento em posto de saúde onde atuam médicos cubanos |
Passadas duas semanas da lei já regulamentada, no entanto, nenhum dos profissionais havia se cadastrado para receber o benefício.
Reportagem publicada pela Folha na sexta (13) mostrou que o governo de Cuba ameaça substituir os médicos que insistam em manter os familiares no Brasil.
A pressão é feita pela vice-ministra da Saúde, Estela Cristina Morales, e por seus assessores, que vêm se reunindo com médicos cubanos em várias cidades brasileiras.
O principal argumento de Cuba é que o contrato de trabalho com os profissionais prevê apenas que eles possam receber visitas de parentes –sem menção a moradia. Há o receio de que a vinda de cônjuges e filhos estimule a fixação das famílias no país.
Editoria de arte/Folhapress | ||
Cuba ameaça trocar profissionais que trouxeram familiares para o Brasil |
Hoje, sete médicos cubanos atuam em Agudos. Um casal levou uma filha para morar com eles e outra médica levou dois filhos. Todo são menores de idade.
Em outras cidades paulistas há crianças matriculadas na escola e cônjuges empregados com carteira assinada.
A reportagem tentou falar com os médicos de Agudos, mas eles se recusaram a comentar a situação. Um deles disse apenas que não poderá aceitar o auxílio da prefeitura, sem explicar a razão.
O prefeito Everton Octaviani (PMDB) afirmou que há "preocupação" entre os médicos em relação à situação dos filhos no Brasil. Ele disse, no entanto, que não mudará o "auxílio-filho".
"Para nós nada muda, já que estamos cobertos de legalidade e os familiares dos médicos têm permissão para estar aqui no país."
Funcionários da prefeitura, que não quiseram se identificar, disseram que os médicos "estão apavorados".
O clima de medo também está presente em outros municípios brasileiros, afirma o clínico Gustavo Gusso, professor da USP e um dos supervisores do Mais Médicos.
Segundo ele, outros tutores do programa relataram que, nos últimos dias, médicos tiveram crises de hipertensão e de enxaqueca, tamanho o nervosismo.
O Ministério da Saúde tem conhecimento das pressões, mas afirma que o problema está fora de sua alçada, uma vez que o contrato com Cuba foi assinado por intermédio da Opas (Organização Pan-Americana da Saúde).
O auxílio oferecido pela prefeitura divide a opinião dos moradores de Agudos.
"Já fui atendido quatro vezes pelos cubanos e eles são mais atenciosos. Acredito que devemos incentivar a estadia deles, sim", afirmou o mototaxista Marco Grecco, 29.
"Isso é um absurdo. A prefeitura deveria incentivar mais os médicos que são daqui", disse o desempregado João Márcio Albergoni, 38.
Atualmente, Agudos investe R$ 10.850 mensais no Mais Médicos. Cada profissional recebe R$ 1.050 de auxílio-moradia e R$ 500 para alimentação.
Além dos cubanos, cerca de cem médicos atuam na rede municipal.