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    Minha História

    Desempregado, pai escolhe pagar por tratamento de filha e pode perder casa

    FELIPE SOUZA
    DE SÃO PAULO

    19/03/2015 02h00

    A filha do técnico em plásticos Aparecido Valério, 57, nasceu em 1994 após complicações no parto. Com dez meses de idade, Bianca foi diagnosticada com uma doença incurável que afeta o sistema neuromuscular. Desempregado, Valério hoje corre o risco de ser despejado de casa por priorizar o pagamento do plano de saúde que garante o tratamento de Bianca.

    Adriano Vizoni/Folhapress
    Aparecido Covo Valerio, 57, ao lado da filha Bianca, 20, que tem doença incurável
    Aparecido Covo Valerio, 57, ao lado da filha Bianca, 20, que tem doença incurável

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    Depoimento...

    Minha mulher teve pré-eclâmpsia [pressão alta] na gravidez do meu primeiro filho e o parto ocorreu aos sete meses de gestação, em 1992. A pressão dela chegou a 25 por 15 na época, mas ela não foi medicada sob o risco de prejudicar a formação do feto.

    Dois anos depois, um ultrassom do cordão umbilical e do coração detectou um problema na segunda gravidez. Foi necessário um parto emergencial no oitavo mês de gestação. Prometemos batizar Bianca na basílica de Aparecida (SP), caso ela nascesse sem sequelas. Com dez meses, cumprimos o voto.

    Até então, ela tinha apenas refluxo algumas vezes. Dias após o batizado, porém, ela começou a ter febre alta e vomitar com frequência. Ao ser levada a um hospital, porém, os médicos decidiram interná-la em uma UTI [Unidade de Terapia Intensiva].

    Em dois meses, ela teve 12 paradas respiratórias. Na última, os médicos demoraram seis minutos para reanimá-la.

    A solução foi fazer uma traqueostomia [furo no pescoço] para o ar passar, que ela usa até hoje para respirar.

    Não havia um diagnóstico preciso. A única suspeita dos médicos era de ela ter síndrome de Werding-Hoffmann –atrofia muscular rara que a mataria em poucos anos. Para piorar, o plano de saúde só cobria 30 dias de UTI.

    A partir daí, eu teria de pagar R$ 4.000 por dia ou transferir Bianca para um hospital público, com estrutura ruim. Mas, graças a uma reportagem da revista "Veja", esse período foi estendido por mais 30 dias. Eu já tinha gastado R$ 12 mil por três dias.

    Uma biópsia então mostrou que Bianca tinha miopatia nemalínica, doença que compromete a formação neurológica e muscular. Por isso, ela não tem força sequer para levantar um copo.

    Cantamos parabéns na UTI quando ela fez um ano. Sete meses depois, ela voltou para casa. Após batalhas na Justiça, conseguimos o direito de o plano cobrir o home care, UTI em casa com cilindro de oxigênio, remédios e equipamentos de primeiros socorros.

    'PAI, TEM CACA'

    Bianca tem um atraso mental e até hoje vive sobre uma maca. Se ela tirar um dos tubos do corpo pode morrer afogada devido a uma fissura no organismo dela, que leva catarro e saliva aos pulmões. Quando isso acontece, Bianca fecha a traqueostomia com o dedo e grita: "Pai, tem caca", e a enfermeira corre para aspirar a secreção.

    Certa vez, tentei me entubar porque queria sentir o sofrimento dela. Enfiei os canos com força no nariz para ver até onde aguentaria, mas chorei de tanta dor e desisti.

    Estou há dois anos desempregado. Deixei de pagar o plano de saúde em outubro de 2013, mas depois resolvi priorizar a saúde da Bianca e passei a atrasar o financiamento da casa.

    Isso levou a Caixa [Econômica] a me mandar um telegrama em janeiro deste ano dizendo que leiloaria o imóvel. Isso só não aconteceu porque entrei na Justiça e consegui uma liminar –decisão provisória– para renegociar a dívida.

    Comecei então uma campanha de arrecadação para evitar o nosso despejo, pois se isso ocorresse, o comprador pediria uma reintegração de posse e destruiria nossa família. O leilão foi barrado um dia antes de acontecer.

    Agora, esperamos fazer uma reunião de conciliação com a Caixa neste mês. Mas precisamos de ao menos R$ 15 mil para negociar com eles.

    Cheguei a receber R$ 29 mil em doações desde 2014, mas gastei boa parte para cobrir os atrasos do plano de saúde e hoje tenho apenas R$ 6.000.

    Em depressão, minha sogra veio morar com a gente.

    Tenho pedra no rim, minha mulher descobriu um nódulo no seio e meu filho teve apendicite. Faz 15 anos que não vou à praia. Dá vontade de pular de cima da laje. Não conseguimos nem dormir.

    A promessa de serviço de um empresário de Leme (188 km de SP) e a campanha no Facebook são nossas últimas chances. Tenho esperança de que tudo vai dar certo, nem que seja aos 45 do segundo tempo.

    A Bianca é muito feliz, adora a vida e merece viver melhor. Vamos sair juntos de mais esta batalha.

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