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    Moradores se reúnem em 'mirantes' da periferia de São Paulo

    LEANDRO MACHADO
    DE SÃO PAULO

    22/03/2015 02h00

    Editoria de Arte/Folhapress
    Copan - Banespa - Itália
    Vista de salão de cabeleireiro do bairro da Brasilândia, na zona norte da capital paulista

    Visto da Patriarca, periferia da zona leste paulistana, o paredão de prédios do centro está coberto por nuvens negras. No horizonte, cai um temporal na tarde de quinta (19). Em breve vai chover no "Pico do Mundo."

    "Daqui a gente já vê a chuva chegar, olha lá", aponta a empregada doméstica Maria de Fátima Neves, 54, em seu quintal coberto por árvores frutíferas —"minha horta mineira em São Paulo."

    Longe de cartões-postais mais manjados como a avenida Paulista, locais altos nos extremos da capital, como a casa de Maria de Fátima, atraem frequentadores pela vista da cidade. A paisagem serve de cenário para encontros entre amigos.

    Na Patriarca, Fátima consegue ver parte da zona leste ainda cheia de casas com telhado vermelho. E, ao longe, torres e mais torres.

    "Quando cheguei em São Paulo, há 30 anos, não havia tantos prédios. Eles estão chegando na Patriarca, e vão tapar minha vista", diz a doméstica, nascida em Montes Claros, Minas Gerais.

    Fátima vive num sobrado ao lado da praça que é o ponto mais alto da Patriarca —espécie de mirante e local de encontro dos moradores.

    O gramado mal aparado virou tapete para brincadeiras de crianças. Os adultos fazem churrasco, regado a cerveja.

    "Aqui a gente chama de Pico do Mundo porque é o lugar mais alto. Dá pra ver o mundo inteiro", brinca Karime da Costa, 23, que leva os filhos para se divertir na praça.

    "Quando estou nervosa, subo na praça, fumo um cigarro e fico olhando a cidade. É uma vista muito bonita. A parte ruim é que chama muitos maconheiros", ri Fátima, que depois entra em casa para se proteger da chuva.

    VIDAS SECAS

    Do alto do Parque Taipas, morro no extremo da zona norte paulistana, os arranha-céus da capital parecem de brinquedo.

    Da janela de seu sobrado ainda em construção, João Fernandes de Oliveira, 61, dono de um bar quase no pico do morro, aponta: "Do lado direito é Perus e o Pico do Jaraguá. Do lado esquerdo é a Brasilândia e a Laranjeira. Lá no fundo é o centro".

    O baiano João foi viver no Parque Taipas há 15 anos, quando deixou um emprego na Casa Verde, também na zona norte da capital. Montou um bar e vive do que vende aos vizinhos.

    Ele acompanhou o crescimento desordenado das casas, que estão encravadas em uma área de mata Atlântica. A paisagem é deslumbrante.

    Muitas ruas do morro não têm asfalto. Quando o dia é de chuva, o chão se transforma em lama. Em algumas casas na parte de cima, só se chega a pé. Carros atolam ou correm o risco de tombar devido às ladeiras.

    Ao contrário da paisagem de cartão-postal, a vida no morro não é tão bela. Os moradores são quase invisíveis.

    Eles têm acesso a serviços privados, como telefone, internet e TV a cabo, mas faltam escolas, posto de saúde e água encanada. Puxam água de uma mina por meio de canos que ficam à mostra nas ruas. A Sabesp só chega de caminhão-pipa.

    Segundo João, que organizou uma associação de moradores no bairro, a região é procurada por turistas e fotógrafos que querem registrar a vista panorâmica. "Estou mais é preocupado que na minha rua não tem asfalto nem água. É uma briga todo dia", diz.

    'PEDRONA' E FOTOS

    "O Dato tirou essa pedrona do rim", brinca um dos clientes do cabeleireiro Renato Xavier dos Santos, 36, conhecido como Dato na Brasilândia, favela da zona norte.

    De cima de uma grande pedra em frente à sua casa e salão, é possível ver a favela e, ao longe, edifícios famosos como o Copan e o Itália.

    Também se vê a avenida Paulista, a 17 km de distância da avenida Cantídio Sampaio, onde fica a "pedrona". No Réveillon, moradores sobem na rocha para ver os fogos de artifício que pipocam pela cidade. "É o momento mais bonito do ano", diz João, que nasceu e cresceu na Brasilândia.

    "Antes, a favela era cheia de barracos de madeira. Agora são de alvenaria", aponta.

    O cabeleireiro não se impressiona mais com a bela vista de sua rua. "Ela é linda, mas está aí todos os dias. Quem é de fora, para o carro, tira foto e posta no Facebook depois. Eu me acostumei."

    Na rua, seus filhos brincam tranquilos. Nem ligam para o cartão-postal à frente.

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