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    Falso baterista de Elton John confunde polícia do metrô de SP

    DE SÃO PAULO

    25/03/2015 02h00

    Não é todo dia que um astro do rock internacional adentra a Delegacia de Polícia do Metropolitano (Delpom), localizada no conturbado terminal Barra Funda, zona oeste de São Paulo.

    Também não é toda hora que se pode encontrá-lo na avenida Paulista, numa academia de musculação de bairro ou ainda numa conversa com alunos de uma escola pública do Estado. A não ser que ele, na verdade, não seja um astro do rock internacional.

    Na semana passada, um homem de olhos azuis, cabelos loiros e inglês ligeiro apresentou-se na Delpom como Charlie Morgan, baterista do pop star britânico Elton John, do ex-beatle Paul McCartney e do guitarrista Eric Clapton.

    Ele relatou ter sido assaltado nos arredores da estação de metrô Palmeiras-Barra Funda. Perdeu seu passaporte britânico, uma corrente de ouro, um relógio Rolex e 8.000 libras esterlinas.

    Informou ser natural de Liverpool (Reino Unido), residente da rua Penny Lane (título da célebre canção dos Beatles), e filho de Reginald Kenneth Dwight e Alice Cooper Carrara Morgan Dwight.

    Os nomes não chamaram a atenção dos policiais da Delpom –certamente nenhum deles um fã de rock.

    Só que Reginald Kenneth Dwight é o nome verdadeiro de Elton John, e Alice Cooper é o cantor de olhos borrados que fazia circo de horrores nos palcos nos anos 1970.

    REVELAÇÃO

    A suspeita só veio ao consultarem o consulado britânico e a Polícia Federal: não havia registro de nenhum Charlie Morgan no Brasil. Nos arquivos da Polícia Civil, encontraram outros três boletins de ocorrência, registrados em intervalos de um mês, em que o mesmo Charlie Morgan fazia o mesmo relato de assalto. Estranho.

    Nas redes sociais, levantaram vídeos em que o sujeito, sempre num inglês rápido e confuso, brinca com baquetas numa academia da Lapa e dá palestra a estudantes da Escola Estadual Miss Bourne, na qual se propõe a levar os cinco melhores da sala numa viagem para o Reino Unido.

    Morgan é, na verdade, José Eduardo Carrara, 54, morador do bairro de Pirituba (zona norte) que, segundo familiares contatados pela polícia, sofre de esquizofrenia.

    Para checar até que ponto Carrara se fazia Morgan, a delegada Sandra Márcia telefonou a ele se passando por uma empresária de shows em busca de um contrato para evento no Memorial da América Latina. Morgan topou, sempre em inglês, sem falar em cachê, e passou o telefone para seu empresário –ele mesmo, agora falando em português.

    Combinaram uma audição, falta, que o levou direto a prestar esclarecimentos na Delpom, onde uma equipe de TV já o aguardava –e para a qual cantou hits do pianista britânico que lhe emprestou o nome do baterista.

    "Indiciamos o Charlie em quatro inquéritos, todos por falsidade ideológica e falsa comunicação de crime", conta o delegado titular da Delpom, Cícero Simão da Costa. "Ele pode pegar até oito anos de prisão, que pode ser convertida em serviços. Mas, se for provado que é esquizofrênico, deve ser internado em um hospital psiquiátrico."

    Segundo o delegado, Carrara "quer ser bem tratado" e usava a alcunha de Charlie Morgan para tirar pequenas vantagens dos outros. "Alguém pagava um almoço aqui, fazia um agrado ali", diz.

    Procurado pela Folha, Carrara deu declarações desconexas e confusas, em inglês. Mencionou a Scotland Yard, a polícia investigativa britânica, reiterou que vive em Liverpool e disse que Elton John prometera levá-lo de volta à Inglaterra ainda nesta semana.

    Em seguida, falou que estaria no Loolapalooza, festival que ocorre no próximo final de semana, com seu "melhor amigo" Robert Plant, do Led Zeppelin.

    Segundo o psiquiatra Cristiano Noto, do programa de esquizofrenia da Unifesp, esta é uma doença complexa com sintomas que vão de delírio e alucinação a desorganização da fala e do comportamento. "Um paciente, sem tratamento, pode ter uma série de crises."

    Para ele, "é delicado processar criminalmente quem tem transtornos psicóticos", como a esquizofrenia. "É preciso a avaliação de um psiquiatra forense", explica.

    OUTRAS APARIÇÕES

    A Folha falou com a dona da academia que aparece no vídeo das redes sociais. Ela não quis se identificar e diz ter posto Morgan "para correr" depois que percebeu que ele não era quem dizia ser. "Eu não entendo inglês, mas uma amiga minha que viveu nos EUA veio aqui e comentou que ele falava tudo errado. Não sei que tipo de problema ele tem, mas normal ele não é", diz.

    A corretora de seguros Rosângela Lopes, 58, conheceu Morgan há poucas semanas na avenida Paulista. "Ele abordou a gente, disse ser músico, tocar com Elton John, e colou no nosso grupo, que estava indo a um karaokê", lembra. "É um sujeito envolvente e carismático e, na hora de cantar, deu um show", diz. "Fiquei com um pouco de pena. Ele parecia uma pessoa um pouco desequilibrada."

    A Secretaria Estadual da Educação informou que Charlie Morgan esteve na unidade para buscar um histórico escolar de José Eduardo Carrara, ele mesmo, estudante ali em 1976. Já dentro da escola, teria proposto um show ao diretor, que recusou a oferta. Propôs, então, uma conversa com alunos durante a aula de inglês.

    Apesar dos erros de pronúncia e da fala frenética e confusa, as professoras do idioma parecem não ter percebido o imbróglio.

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