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    Moradora é 'carteira' em bairro que não tem correio e esgoto

    EMÍLIO SANT'ANNA
    DE SÃO PAULO

    29/03/2015 02h00

    A luz está lá, mas para fazer jus ao nome ainda falta o resto. Algumas coisas podem até esperar, mas pelo menos o endereço reconhecido pelos Correios já seria um bom começo, dizem os moradores da rua Progresso.

    Ali, a 20 km da praça da Sé, asfalto não há, tampouco coleta de lixo individualizada, esgoto ou acesso fácil ao transporte público. O que tem mesmo é uma favela inteira tentando se virar como dá.

    A situação pode não combinar com o nome da rua, mas cai como luva para o nome da comunidade da qual ela faz parte: Vila Nova Esperança.

    No extremo da zona oeste paulistana, a realidade de cerca de 600 famílias –parte "do lado de lá da divisa", em Taboão da Serra (Grande SP)– é acreditar que um dia os serviços públicos irão chegar.

    Se eles faltam, o improviso sobra. Na Vila Nova Esperança, ele atende pelo nome de Lia, ou Maria de Lourdes Andrade Silva, 52. "Vê aí se tem carta para o seu filho. Sei que tinha, mas precisa procurar", diz a uma vizinha, apontando para uma caixa de papelão.

    Comerciante, líder comunitária e "carteira amadora". Assim, Lia divide seu tempo. Há mais de vinte anos em São Paulo, a baiana é um retrato fiel da população local.

    Enquanto conversa com a Folha, um carteiro passa por ela numa moto. "Esse aí é o que entrega só na Eiras Garcia [avenida]. Para os moradores não saírem daqui e irem lá na agência central dos Correios, fui conversar com o gerente para entregar no meu mercadinho. De lá as pessoas buscam, porque não dou conta de fazer tudo", afirma.

    Apesar de existir desde os anos 1960, não é só o endereço regularizado que falta na Vila Esperança. Sem segurança de que não serão despejados, muitos moradores continuam vivendo em barracos de madeira. "Às vezes, acho que deveria ser Vila dos Milagres", diz ela.

    ÁREA DISPUTADA

    Desde 2004, o Ministério Público Estadual move uma ação para que eles saiam. O órgão alega que a favela está em área de preservação e que sua permanência coloca em risco o meio ambiente.

    Em 2010, uma decisão liminar garantiu a permanência dos moradores no local, que pertence à CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano), ligada ao governo estadual.

    A situação se complica ainda mais por a favela estar na divisa entre dois municípios. "Fica um jogo de empurra entre as prefeituras", diz Lia.

    A confusão é tão grande, diz ela, que a conta de luz de todos os moradores é enviada com CEP de São Paulo, apesar de ela estimar que metade das famílias esteja em área pertencente a Taboão.

    Para Eduardo Marques, professor do departamento de de Ciência Política da USP e pesquisador do Centro de Estudos da Metrópole, a realidade da Vila Nova Esperança se insere no modelo de urbanização no país até os anos 1970.

    Segundo ele, desde a redemocratização do país, na década de 1980, deu-se início a um processo de expansão do atendimento das populações das periferias. Mas os recursos não foram suficientes frente à "demanda gigante", diz.

    Apenas esperar que sua demanda seja atendida, diz Lia, não é uma alternativa. Enquanto cobravam, por exemplo, a instalação de caçambas para o lixo que não é recolhido de casa em casa, moradores estruturam uma horta comunitária no local. O projeto recebeu, em 2014, o Prêmio Milton Santos, concedido pela Câmara Municipal de São Paulo. Um começo para um lugar onde ainda falta muito.

    "Não estou achando", diz, alheia à reportagem, a diarista Lindalva Bastista dos Santos, 50, em resposta ao aviso de Lia sobre a correspondência de seu filho. "Tenho horror de não receber as contas e deixar de pagar no dia".

    Ausência de regularização é maior obstáculo na Vila Nova Esperança

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