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    Rio de Janeiro

    Literatura de cordel ajuda a montar a história do Complexo do Alemão

    LUIZA FRANCO
    DO RIO

    20/04/2015 02h00

    "E é aqui que começa/a história verdadeira/Lampião tinha missão/não estava para brincadeira/conseguia ver nas casas/a descendência guerreira." Assim se inicia o cordel, nome dado às histórias do romanceiro popular do sertão nordestino, "A chegada de Lampião no Complexo do Alemão".

    No conjunto de 15 favelas na zona norte do Rio, que tem 60.555 pessoas (segundo Censo de 2010), muitas delas imigrantes nordestinos, foram surgindo ao longo dos anos diversos cordelistas.

    No Alemão, há representantes de várias vertentes: da poesia-reportagem ao romance. O autor de "Lampião", o vendedor de livros José Franklin, 55, é o que os cordelistas chamam de poeta-repórter. Carioca, é de uma nova safra de cordelistas.

    Em versos e rimas, Franklin narra o dia a dia do complexo, tido como um dos lugares mais violentos da cidade. Foi lá que morreu, no último dia 2, Eduardo de Jesus, 10, com um tiro na cabeça.

    Apesar de já ter feito cordéis sobre a morte de outros moradores, como a do mototaxista Caio Moraes da Silva, 20, baleado em 2014, Franklin diz que, por ora, não pretende contar essa história.

    "Os cordéis que fiz em homenagem a outros mortos ficaram muito tristes. Agora, só faço se a família pedir".

    Ele já tratou da ocupação do complexo pela polícia para a instalação da UPP, em 2010, e do temporal que deixou famílias desabrigadas em dezembro de 2013.

    Imaginou ainda, em cordel, como seria o discurso de posse de René Silva, jovem que ficou famoso por narrar em tempo real a ocupação do Alemão. Costuma vender os livros nos fins de semana, por R$ 2 cada um. Seus leitores são moradores e turistas.

    Entre os primeiros, "Apocalipse no Complexo do Alemão" conta como a queda de um balão sobre fios elétricos, em 1988, fez alguns moradores acreditarem que chegara o fim do mundo. Já os turistas preferem "Lampião".

    Franklin também faz cordéis sobre outros assuntos: há um sobre a rebelião de presidiários na ilha Anchieta, em São Paulo, em 1952, outros contam histórias de ficção científica e até sobre a socialite Narcisa Tamborindeguy.

    Tudo começou numa época em que vendia material de construção. "Comecei a escrever um livro sobre casos de pequenos negócios que deram certo. Tomei gosto pela escrita, mas a produção do livro ficou cara para mim. Aí, eu passei a fazer cordel".

    HERANÇA NORDESTINA

    Trabalhadores imigrantes do Nordeste foram atraídos para a área quando ocorreu a abertura da avenida Brasil, em 1946, e a região se transformou em polo industrial.

    Apesar de ser da Bahia, foi no Rio, como morador do Alemão, que Nilton José da Silva, 69, tomou gosto pelos cordéis. Se encantou ao ler uma matéria sobre os cordelistas da Feira de São Cristóvão, tradicional ponto de encontro de nordestinos do Rio.

    É conhecido como poeta do amor. Seus cordéis contam histórias épicas, com princesas, cavaleiros e muito sexo.

    "É uma coisa criada, trabalhada, demoro muito tempo para completar", diz Silva. "Não faço coisas apelativas", afirma ele, que pleiteia uma vaga na Academia Brasileira de Literatura de Cordel, com sede em Santa Teresa, no Rio.

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