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    Lei de Zoneamento

    Assédio de construtoras faz moradora colocar faixa contra venda de casa

    FERNANDA MENA
    DE SÃO PAULO

    25/04/2015 02h00

    "Esta casa não está à venda, nem estará! Abaixo a verticalização da Pompeia."

    Foi colocando uma faixa com essa mensagem na fachada de sua casa que a publicitária Jennifer Monteiro, 49, a um só tempo, tranquilizou os vizinhos quanto aos boatos espalhados por corretores de que ela queria vender o imóvel e ainda afugentou as construtoras que rondam a região.

    A casa em que mora há quase 45 anos está localizada a poucos metros da estação Vila Madalena do metrô, uma região que integra os chamados Eixos de Estruturação da Transformação Urbana, criados pelo Plano Diretor Estratégico, aprovado no ano passado.

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    Nessas áreas, foram propostas pelo novo zoneamento as chamadas Zona Eixo de Estruturação da Transformação Urbana (ZEU). São áreas que acompanham eixos de transporte e em cujos terrenos será permitido construir mais que no restante da cidade (pouco mais de quatro vezes a área do lote), em edificações sem limite de altura.

    Tamanho potencial supervalorizou os terrenos desses locais, que viraram mina de ouro para o voraz mercado imobiliário da cidade.

    "Os corretores inventam para cada morador que as casas ao redor já foram vendidas, criando medo", conta ela. "Ninguém quer ser vizinho de um prédio de 40 andares", avalia.

    Para o presidente do Secovi (sindicato do mercado imobiliário), Claudio Bernardes, "as pessoas podem não gostar, mas é nessas áreas que vai-se construir".

    "Os corretores são agressivos mesmo. Só que muita gente que mora nos eixos teve seus terrenos valorizados e reclama, mas também está especulando", diz.

    Editoria de Arte/Folhapress

    LUGAR AO SOL

    Para a publicitária, garantir seu direito de viver em uma casa e até seu lugar ao Sol passar pela avaliação do impacto dessas construções em bairros de ruas estreitas.

    "Como é possível colocar prédios numa área cuja infraestrutura é dos anos 1940 e foi montada para receber apenas casas?", pergunta, antes de mostrar o terreno do quarteirão ao lado no qual cinco casas darão lugar a
    um edifício. "Quem compra apartamento de 40 m2 por R$ 400 mil anda de carro. É ilusão achar que vão usar o metrô."

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    Para o urbanista Cândido Malta, professor emérito FAU-USP (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo), as ZEUs funcionarão como "um trator passando, que arrasa tudo".

    "Sou a favor do adensamento, mas está na cara que não dá para verticalizar sem limites baseado em uma infraestrutura já existente. É uma proposta é irresponsável", afirma.

    Para ele, "os sistemas de circulação já estão à beira do colapso" e a proposta precisaria ter calculado o impacto do adensamento no trânsito e nas estruturas urbanas.

    O secretário municipal de Desenvolvimento Urbano, Fernando de Mello Franco, afirma que apenas 20% dos terrenos das ZEUs podem, efetivamente, ser transformados. "Nossos cálculos mostram que as áreas passivas de transformação estão ligadas à média histórica de produção do mercado imobiliário."

    Além disso, Franco defende que a cidade precisa crescer. "A taxa de crescimento populacional de São Paulo beira o zero, mas a estrutura familiar mudou e a expectativa de vida aumentou. Hoje, há um déficit estimado de 227 mil domicílios. Se não fizermos nada, ele será de 770 mil. A cidade não pode parar."

    TRANSFORMAÇÃO

    Parte do impacto da verticalização dessas áreas, no projeto da Prefeitura de São Paulo, pode ser amenizado por parâmetros de construção estabelecidos.

    "Antes, esse tipo de lei criava regras relativas a quantas vezes a área do terreno seria permitido construir. A nova proposta cria um desenho de construção, e isso é um avanço", analisa a professora da FAU Paula Santoro.

    Para ela, instrumentos como fruição pública (abertura do lote à circulação de pedestres), fachada ativa (comércio no andar térreo aberto ao público) e alargamento de calçadas fazem com que cada empreendimento "construa um pedaço da cidade".

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    Segundo cálculos do engenheiro civil Ivan Maglio, ex-diretor de Planos Urbanos da Secretaria Municipal do Planejamento de São Paulo, a ZEU disposta ao longo da linha azul criará, das estações Paraíso a São Judas, um corredor de seis quilômetros de edifícios sem limite de altura e sem melhorias urbanísticas feitas pelo poder público.

    "Boas ideias também geram impacto e pedem as mesmas medidas mitigadoras que são pensadas nas grandes operações urbanas", explica. "Do contrário, o risco é a qualidade de vida ser perdida. E estão pagando para ver."

    Editoria de Arte/Folhapress

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