• Cotidiano

    Friday, 03-May-2024 10:00:23 -03

    Índios se preparam para resistir a despejo em área da zona norte de SP

    FABIANO MAISONNAVE
    DE SÃO PAULO

    26/04/2015 02h00

    Cidade de várias culturas, São Paulo preservou pouco espaço para a mais antiga delas. Confinados na menor terra indígena do Brasil, cerca de 700 guaranis lutam para ampliar seu território no entorno do pico do Jaraguá, na zona norte de São Paulo.

    A ofensiva se intensificou no ano passado, quando algumas famílias deixaram a congestionada comunidade à beira da Estrada Turística do Jaraguá, de 5,2 hectares, para ocupar uma propriedade privada 72 hectares de área verde, a cerca de 3 km. Fundou-se ali a aldeia Itakupé.

    O grupo, liderado pelo cacique Ari Martim, 74, é a ponta de lança da estratégia para pressionar o governo federal a regularizar 532 hectares de uso tradicional guarani, segundo estudo antropológico reconhecido pela Funai (Fundação Nacional do Índio) em abril de 2013. A área inclui parte do Parque Estadual do Jaraguá.

    "Aquele espaço lá é uma aldeia? Não, é uma favela", diz Martim, em entrevista em Itakupé, erguida sobre um terreno íngreme atrás do pico do Jaraguá. "Aqui tem como fazer uma aldeia modelo, esse é o meu sonho."

    Os guaranis reclamam que a regularização está parada há dois anos, à espera da assinatura do ministro José Eduardo Cardozo (Justiça). Procurado, o ministério se limitou a afirmar que "o processo está em análise na consultoria jurídica".

    Enquanto a tramitação se arrasta em Brasília, a tensão aumenta no Jaraguá. A presença indígena não é aceita pelos proprietários –entre eles o ex-prefeito de São Bernardo Tito Costa (1977-83)–, que usam a área para o plantio de eucalipto.

    Editoria de Arte/Folhapress
    Área indígena no Jaraguá
    Área indígena no Jaraguá

    Em março, eles conseguiram uma ordem de reintegração de posse na Justiça Federal. Na quinta-feira (23), a Funai recorreu ao STF (Supremo Tribunal Federal).

    "Nunca houve índios naquela área", afirma Costa, 92, que, quando era prefeito, chegou a esconder o então líder metalúrgico Luiz Inácio Lula da Silva por um mês.

    "Esse laudo é um exercício acadêmico, fala do Pedro Álvares Cabral etc. E é unilateral, não fui ouvido", disse.

    Do lado dos guaranis, a promessa é de "resistir com vidas": "A demarcação que nós pedimos é muito pouco perto de tudo que os brancos tomaram de nós, e não podemos abrir mão de nem mais um palmo de terra", afirmam, em carta aberta publicada na sexta-feira (24).

    ALDEIA URBANA

    A comunidade guarani no Jaraguá começou na década de 1950, quando a primeira família se instalou na região, ainda rural. O núcleo original cresceu com a chegada de outras famílias enquanto a área verde foi se reduzindo –a rodovia dos Bandeirantes, construída nos anos 1970, passa a poucos metros.

    Quando a regularização de 1,7 hectare da aldeia Ytu ocorreu, em 1987, os guaranis já haviam sido engolidos pela cidade. Uma favela contaminou o riacho de esgoto. Para piorar, o local virou ponto para o abandono de cachorros, hoje em algumas centenas.

    O crescimento levou famílias a se mudarem para uma área contígua de 3,5 hectares, antes usada para o plantio e também sob litígio.

    Hoje, boa parte das famílias está inscrita em programas sociais, como o Bolsa Família. Alguns trabalham nas duas escolas públicas e no posto de saúde dentro da comunidade.

    "[A pressão] é para que a gente deixe de existir da nossa maneira.", diz David Martim, 27, líder e professor de geografia.

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024