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    'Estou cumprindo uma missão', diz padre que abriga haitianos em SP

    THAIS BILENKY
    DE SÃO PAULO

    24/05/2015 02h00

    Rivaldo Gomes/Folhapress
    O padre Paolo Parise, em frente à igreja onde recebe imigrantes no centro de São Paulo
    O padre Paolo Parise, em frente à igreja onde recebe imigrantes no centro de São Paulo

    No domingo passado (17), mais de mil pessoas se reuniram na paróquia Nossa Senhora da Paz, no Glicério (centro de São Paulo), para o Dia da Bandeira, celebração da independência do Haiti.

    Foram servidos pratos típicos e bebidas alcoólicas. Bandas e rappers haitianos se apresentaram. O padre Paolo Parise, 48, estava exausto.

    Completava uma jornada de 16 horas sem descanso. E ainda teria que ajudar a equipe, composta por cerca de 50 funcionários e outros três padres, a limpar o salão da festa, onde têm dormido quase duas centenas de refugiados.

    O número tende a aumentar. O governo Tião Viana (PT), do Acre, anunciou, no início da semana, que quase mil imigrantes viajariam a SP. O prefeito Haddad (PT) e o governo Dilma (PT) dizem que não foram avisados.

    O município afirmou que procuraria um abrigo. O governo federal suspendeu as viagens saindo do Acre. Mas, ainda na sexta (22), 43 haitianos aportaram na cidade.

    Sobrou para a paróquia. Com colchonetes no chão, caldeirões de sopa à noite e aulas básicas de português, a Missão Paz, organização católica da qual o padre faz parte, acolhe os imigrantes.

    Em geral, Parise, italiano da região do Vêneto, acredita estar cumprindo a sua missão. Mas, às vezes, sente-se impotente. "Você arruma emprego para 20 e logo chegam mais 50. O estresse é psicológico e físico", descreve, em português fluente com resquício do sotaque italiano. "A equipe está sobrecarregada."

    Que o prove a agenda de Paolo. Seus dias têm começado às 7h e terminado à meia-noite. O celular não para.

    Mas Parise parece treinado a lidar com adversidades. Mostra encantamento com cenas corriqueiras. Vê beleza nas tradições de pessoas mesmo quando estão no extremo da sobrevivência.

    A festa da Bandeira era um desses momentos. Achava "maravilhosa" a liberdade com que os haitianos se expressavam por meio da língua crioula, da dança e da música. Mas tudo tem limite.

    Às 23h30, o padre teve que, enfim, dizer não. "Dançar? Não, obrigado. Prefiro olhar sentado", recusou com o bom humor e o afeto costumeiros.

    Parise consagrou-se o padre dos haitianos em São Paulo. Chama-os pelo nome. Recebe visitas daqueles que, anos depois de instalados, ainda o procuram. Celebra casamentos e batizados.

    A maioria é evangélica. Mas não só os 30% católicos se apegam. Todos estabelecem uma relação, que começa pela confiança, ele nota. A espiritualidade "aflora um pouquinho depois", uma vez digerido o drama da migração.

    O fato é que a presença haitiana nas missas de domingo é assídua. "Quando começamos com 'bonjour' [bom dia em francês], rostos se iluminam", observa Parise.

    CENAS DE CINEMA

    Sua missão não foi sempre essa. Na primeira passagem por São Paulo, entre 1999 e 2007, Parisi morou em favelas da zona sul e viveu "verdadeiras cenas de cinema".

    O padre narra uma delas, com direito a briga entre mulheres, fuga de carro e mordida no braço. O trabalho com jovens logrou reduzir a violência, diz Parise, levando-o a se mudar.

    "Somos parte de um grupo de padres meio malucos que, quando está tudo bem, vão embora", relata. Por ora, não há sinal de trégua. Mas que não venham tratá-lo como herói. "Eu infarto", brinca.

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