• Cotidiano

    Monday, 20-May-2024 17:33:00 -03

    Minha História

    Reitor da Unesp narra sua batalha contra o câncer: 'A doença me ensinou'

    (...) Depoimento a
    FÁBIO TAKAHASHI
    DE SÃO PAULO

    25/05/2015 02h00

    O reitor da Unesp, Julio Durigan, 60, ficou afastado quase o ano passado inteiro para combater um câncer na medula óssea, que pode danificar os órgãos e reduzir a produção de anticorpos. Em uma fase do tratamento, a imunidade ficou tão baixa que uma simples gripe poderia matá-lo. Ele está em atividade neste ano, mas tem de passar por constantes avaliações, pois há o risco de a doença voltar.

    Moacyr Lopes Junior/Folhapress
    O reitor da Unesp, Julio Durigan, 60, em seu gabinete no centro de São Paulo
    O reitor da Unesp, Julio Durigan, 60, em seu gabinete no centro de São Paulo

    *

    Como reitor da Unesp, vinha num ritmo de vida a mais de 120 km/h. Agenda das 8h às 22h, reuniões, viagens.

    Logo no início de 2014, procurei um médico. Sofria há seis meses de dores nas costas e nas pernas, ninguém encontrava o que era. Achava que era algum problema muscular. Então, um médico pediu para eu subir na maca. Tive muita dificuldade, e ele percebeu. Me deu um analgésico, que tiraria a dor, se fosse muscular. Não passou.

    O médico disse que precisaria fazer uma pesquisa. Marcamos ressonância para um sábado e nova consulta para a outra quarta. No sábado à tarde, logo que ele viu o resultado, me ligou. Percebi que era algo grave. "Evite andar, a bater a perna. E me encontre na segunda."

    Disse também que havia constatado fratura patológica numa vértebra da coluna.

    Eu estava com mieloma múltiplo, câncer que se origina na medula e causa traumas, enfraquecimentos nos ossos. A fratura da vértebra era fruto disso, e meu fêmur estava prestes a se partir.

    Reuni minha mulher e meus três filhos, dois já formados em direito e o mais novo se formando. Quis passar segurança a eles.

    Como engenheiro agrônomo, sou muito ligado ao ritmo da natureza. Plantas nascem, crescem e morrem.

    Assegurei a eles que tudo ia dar certo, porque só havia duas opções. Ou eu sarava —o que era dar certo— ou morria —o que também era dar certo, algo natural. Eles sentiram o baque. Foi minha primeira lição: você precisa vencer a doença por você e pela família. Mudei a postura, passei a adotar discurso positivo. Mas com medo.

    O mieloma é doença grave. Os médicos tentavam passar confiança, mas não podiam assegurar que sobreviveria. A pergunta era 'por que eu'? Não fumo, só tomo cerveja no fim de semana. Tenho 60 anos, a doença ataca geralmente quem tem mais de 70.

    Passei um tempo em depressão. O ritmo vinha em 120 km/h e, subitamente, me vi sentado no sofá de casa, apenas esperando chegar as fases do tratamento.

    Fiquei sem reação.

    A primeira providência foi colocar haste no fêmur, para evitar fratura. Foi uma operação rápida e bem-sucedida.

    Depois vieram cinco meses de quimioterapia, para baixar o nível da doença. Para todos os efeitos, ela está no corpo todo. Há medula em todos os ossos, ainda que a doença se manifeste mais em alguns lugares. No meu caso foi na perna e na coluna.

    TRATAMENTO

    A primeira etapa da quimioterapia é para preparar o transplante de medula.

    A ideia é mudar o funcionamento da medula, que estava produzindo erroneamente. Minhas células-tronco foram retiradas, para que fossem preparadas e reinjetadas.

    Depois vem uma forte quimioterapia que mata tudo que você tem na medula, para limpar. Fiquei num quarto separado no hospital, isolado. Cheguei a 25 leucócitos por mililitro [de sangue]; o normal são 5.000, 6.000. Plaquetas, uma pessoa saudável possui mais de 60 mil. Fiquei com 500. Estava sem nenhuma resistência. Se eu pegasse uma gripe, morreria.

    As células trabalhadas são então injetadas, para que colonizem a medula. Não é um transplante difícil de fazer, é só colocar cateter no peito e fazer injeção. O problema é o risco de infecção e se o transplante "não pegar", se a medula não aceitar as células.

    Esse processo durou 18 dias. E veio um golpe. Tinha um vizinho de quarto, o Vitor, de 18 anos, que também estava esperando o transplante "pegar". Estava animado, me disse que queria entrar em medicina na Unesp. Mas o transplante não deu certo. Como foi difícil.

    RECUPERAÇÃO

    Hoje consigo levar vida normal, mas com dores na coluna que devem me acompanhar para sempre. E tenho de esperar cinco anos para dizer que estou curado, a medula pode voltar a trabalhar de forma errada neste intervalo.

    Aprendi muitas coisas. A importância de falar com as pessoas e ouvi-las.

    Vou me aposentar em dois anos. Quero reservar alguns dias da semana para ir a hospitais e conversar com quem está doente.

    A doença me ensinou também que não temos todas respostas ou controle sobre a vida. E que é importante trabalhar, mas também descansar.

    Fale com a Redação - leitor@grupofolha.com.br

    Problemas no aplicativo? - novasplataformas@grupofolha.com.br

    Publicidade

    Folha de S.Paulo 2024