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    PF recusa acordo por imigrantes sem autorização retidos em Cumbica

    LUCAS FERRAZ
    DE SÃO PAULO

    30/05/2015 02h00

    Suspeita de tomar decisões arbitrárias na concessão do protocolo de refúgio a estrangeiros no aeroporto de Cumbica (em Guarulhos, na Grande São Paulo), a Polícia Federal se recusou a assinar acordo para implementar mudanças na situação de imigrantes retidos sem autorização de entrada no país.

    Desde 2013, com o aumento do fluxo migratório para o Brasil, explodiram os casos de estrangeiros –a maioria de origem africana– retidos no conector, sala do aeroporto que se transformou, na prática, em local de detenção administrativa e provisória.

    Sem fundamentação legal –no Brasil não há prisão administrativa por imigração irregular, como nos EUA– e quase sempre sem o devido amparo jurídico, os estrangeiros chegam a ficar retidos por semanas ou até meses.

    O termo de cooperação entre Ministério Público Federal, Defensoria Pública da União, Secretaria Nacional de Justiça, Acnur (agência da ONU para refugiados) e Prefeitura de Guarulhos, formalizado em janeiro e ainda não implementado, quer agilizar a análise dos casos e auxiliar os estrangeiros juridicamente.

    Arquivo pessoal
    Imigrantes em sala do aeroporto de Cumbica, em foto tirada em 2014 por um dos retidos
    Imigrantes em sala do aeroporto de Cumbica, em foto tirada em 2014 por um dos retidos

    A delegacia da PF em Cumbica afirma que não tem atribuição para firmar convênio com outros órgãos.

    "Não é uma prisão, é algo pior, pois não existe regulação a respeito", diz Daniel Chiaretti, defensor público que acompanha o caso. "Há uma violação ao acesso à Justiça, pois esses imigrantes não conseguem recorrer nem à Defensoria Pública."

    Estima-se que 300 pessoas tenham passado pelo conector no ano passado.

    A Polícia Federal diz que não se trata de detenção, mas de impossibilidade de ingresso –por decisão da própria PF ou por recusa da companhia aérea em dar seguimento à viagem por ver no passageiro um perfil de "risco".

    Muitos, contudo, buscam refúgio. Em tais situações, os viajantes ficam na área restrita até retornar ao país de origem ou regularizar a situação.

    O nigeriano Jibolah (ele prefere omitir o sobrenome), 35, ia da Nigéria para o México e passou pela situação.

    Ele disse que fugia de seu país por causa da milícia radical Boko Haram e que tinha visto mexicano de seis meses. Em Cumbica, conta, foi impedido pela companhia aérea de prosseguir viagem.

    Ele ficou no conector entre 28 de fevereiro e 27 de abril deste ano. Jibolah afirma ter sido agredido por funcionários da Turkish Airlines, que queriam mandá-lo de volta para a Nigéria. Após o episódio, ele recebeu o protocolo de refúgio e deixou o aeroporto, mesmo não querendo permanecer no Brasil.

    Pela lei, o estrangeiro que pede refúgio deve receber um protocolo e aguardar em liberdade que seu caso seja decidido pelo Conare (Comitê Nacional para os Refugiados), o que pode levar um ano.

    Entidades de direitos humanos e organizações como o Acnur já protocolaram reclamações na PF sobre a conduta, mas não houve resposta.

    Procuradora da República em Guarulhos, Rhayssa Rodrigues investigou a conduta da PF e disse não ter chegado à conclusão de que ela negou refúgio a imigrantes.

    "Mas há, sim, necessidade de uma abordagem humanizada", afirma. "É preciso evitar que essas pessoas fiquem ali tanto tempo."

    OUTRO LADO

    A delegacia da Polícia Federal no aeroporto de Cumbica (SP) afirmou que não tem atribuição de firmar convênio com outros órgãos, como o Ministério Público Federal.

    "Não obstante, esta delegacia já enviou documentos à Defensoria Pública da União, a quem compete a defesa dos interesses de hipossuficientes, independentemente de convênio, solicitando a assistência jurídica a estrangeiros", disse em nota.

    O atendimento, porém, ainda não começou.

    Sobre a falta de acesso dos defensores públicos ao conector, a PF alega que a entrada na "área restrita está adstrita" aos órgãos e empresas que operam no aeroporto, mas ressalta que, em alguns casos, franqueou o acesso.

    Quanto à longa permanência dos estrangeiros no conector, a PF disse que há "diversas situações", "tais como estrangeiros sem documentação, impedindo a imediata identificação do mesmo e de seu transportador, o que prolonga sua permanência e enseja falta de assistência".

    A polícia também diz ser comum omissão da companhia área na retirada dos passageiros e a demora do estrangeiro em manifestar sua situação de vulnerabilidade.

    A reportagem não conseguiu contatar a Turkish Airlines para que ela comentasse a agressão alegada pelo nigeriano Jibolah.

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