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    Movimento de sem-teto quer que casa invadida em SP vire asilo para idosos

    PAULA SPERB
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    17/06/2015 02h00

    Os 27 moradores de uma casa na rua Honduras, no Jardim Paulista, bairro nobre da zona oeste de São Paulo, têm mais em comum entre si do que as rugas. Eles vieram de outros Estados décadas atrás em busca de trabalho e hoje, idosos, não têm onde morar.

    No local, todos dormem no chão, em colchões recolhidos da rua. A casa não tem chuveiro ou torneiras e, quando anoitece, só a sala tem luz.

    O imóvel pertence à Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) desde 2008. Foi doado à instituição por Maria Apparecida Madeira Kerbeg, que morreu aos 91 anos em 2007. No ano seguinte, a doação foi registrada em uma ata da universidade.

    Maria Apparecida não tinha filhos a quem deixar a herança e, por isso, retribuiu o atendimento recebido no hospital da universidade.

    A casa ficou vazia por pelo menos sete anos. Há dois meses, foi invadida pela FLM (Frente de Luta por Moradia), que pretende usar o espaço como uma espécie de asilo.

    Nove voluntários moram no local auxiliando os mais velhos, já que a água não corre no banheiro e os banhos de balde são frios para economizar o gás usado na cozinha.

    Entre as histórias que podem ser ouvidas pela casa estão a de Marinete Josefa de Freitas, 61, que saiu de Arapiraca (AL) aos 14 anos para trabalhar como doméstica em São Paulo. "Às vezes, acho que tenho culpa por não ter nada", diz.

    Rosilda Maria de Jesus, 74, por sua vez, saiu quando era criança com os pais e os 11 irmãos de Vitória da Conquista (BA), onde todos trabalhavam na lavoura.

    Pedro Euclides Silva, 65, outro novo morador da rua Honduras, não tem familiares na cidade. Natural de Vitória de Santo Antão (PE), ele diz que está ali "para enfrentar tudo".

    "Até os pássaros fazem seus ninhos. Por que eu não posso ter onde morar?", pergunta Luzia Britto Silva, 75, natural de Juazeiro do Norte (CE). "Se comer, não paga o aluguel. Se pagar o aluguel, não come", diz ela sobre morar em São Paulo.

    REJEIÇÃO

    A FLM quer transformar o imóvel em uma casa de repouso com atendimento especializado. "Eles pagariam R$ 50 mensais. Não seriam donos, mas poderiam morar até morrer", diz Maria do Planalto, 59, líder da FLM.

    Segundo Maria, o projeto será apresentado ao Conselho Municipal de Habitação da prefeitura, com 48 membros, no próximo dia 26. O conselho debaterá a possibilidade de a prefeitura ou a Caixa Econômica Federal comprar a casa para o projeto. A reunião é pública.

    A Unifesp pediu reintegração de posse, mas diz que não se opõe à compra da casa para uso popular, desde que o processo ocorra "de acordo com a legislação vigente".

    Segundo a universidade, a casa de 210 m² foi avaliada em R$ 645 mil em 2009. Um leilão do imóvel chegou a ser cogitado, mas não ocorreu.

    A Ame Jardins, associação de moradores do bairro, repudia a ocupação por considerá-la um "ato ilegal". A Sajep (Sociedade dos Amigos do Jardim América, Europa, Paulista e Paulistano) também é contra a invasão.

    "O que incomoda é a propriedade invadida, é a questão da segurança, de como todos estão vulneráveis a invasão", diz Patrizia Tommasini, 47, vice-presidente da Sajep.

    Patrizia ressalta que o valor de um leilão com entes privados, com valor de mercado, arrecadaria mais para a Unifesp do que se a prefeitura comprasse o imóvel.

    "O vizinho do lado veio dizer que não deveríamos ficar", afirma Maria da Graça, 44, desempregada. "Um carro ficou fazendo ronda, um deles perguntou o que a gente fazia. Queria saber por que mandaram eles aqui. Qual o perigo de 20 velhinhas?", diz.

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