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    Depoimento: trabalho do imigrante no Japão é sujo, difícil e perigoso

    FABIANA FUTEMA
    DE SÃO PAULO

    18/06/2015 02h00

    Como todo decasségui, desembarquei no Japão para realizar trabalhos que nativos instruídos recusam, conhecidos como "3K": "kitanai" (sujo), "kiken" (perigoso) e "kitsui" (difícil).

    Era 1994 e fazia apenas quatro anos que o governo japonês passara a incentivar a imigração de brasileiros descendentes de japoneses.

    Eu morava sozinha em São Paulo, pois minha família havia se mudado para o interior do Estado. O dinheiro era curto, havia muito desemprego por aqui e minha irmã ficou sabendo da oferta japonesa aos que, como nós, eram descendentes -no caso, sanseis, netas de imigrantes.

    Desembarcamos em Tóquio sem saber falar uma palavra de japonês nem ler um ideograma sequer, e sem prática no uso de hashis, os palitinhos usados como talheres. Foi um choque.

    Na mesma noite, a primeira gafe: entramos no alojamento sem tirar os sapatos. E levamos a maior bronca.

    Em pouco tempo eu havia aprendido regras de comportamento e passava ao menos dez horas por dia parafusando fogões em uma fábrica.

    Nas linhas de montagem japonesas, mulheres ganham menos que homens para funções iguais. Ou seja, eu precisava trabalhar mais para ter o mesmo salário de colegas homens no final do mês. Aprendi que precisava fazer "zangyou" (hora extra) se quisesse voltar com dinheiro. Terceirizada, quando faltava trabalho na fábrica, eu fazia bicos em restaurantes.

    Financiei os altos gastos da viagem ao outro lado do mundo com uma agência de empregos e passei os cinco primeiros meses de trabalho pagando parcelas da dívida contraída.

    Passado este período, a integração na cultura local se deu pela via do consumo e pelo turismo interno.

    Com o salário de operária da fábrica, não tinha dificuldade em viajar e em adquirir acessórios de grifes como Gucci e Louis Vuitton, adoradas pelas japonesas. Difícil era saber a hora de parar para não gastar tudo o que ganhava por lá.

    Fabiana Futema é redatora especial da Folha, foi decasségui entre 1994 e 1996.

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