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    Em reação à idade penal, governo quer reforçar ensino a jovens infratores

    NATÁLIA CANCIAN
    FLÁVIA FOREQUE
    DE BRASÍLIA

    21/06/2015 02h00

    João (nome fictício), 18, retira a apostila que guarda com cuidado debaixo do colchão do beliche onde dorme.

    Há sete meses, ele voltou a frequentar o 6º ano de uma escola pública no Distrito Federal. Antes, passou três anos longe da sala de aula. "Fiquei aprontando e parei de estudar", conta ele.

    Detido em uma unidade de internação provisória, o rapaz agora voltou aos livros. "Me deram outra chance", diz ele, que não foi autorizado a falar com a reportagem sobre o delito que cometeu.

    Diante do avanço da medida que reduz a maioridade penal, em discussão no Congresso (leia nesta página), o governo acelerou os estudos para ampliar o acesso de jovens infratores à educação.

    Uma proposta do CNE (Conselho Nacional de Educação), elaborada a pedido do Executivo, visa definir diretrizes nacionais para o ensino desses adolescentes.

    A intenção é aprovar, ainda neste ano, um plano para reorganizar o currículo, formar professores que atendam a esse público e melhorar a infraestrutura das salas de aula nesses locais.

    Pedro Ladeira/Folhapress
    João (nome fictício), que está em uma unidade de internação provisória e retomou os estudos em uma escola pública
    João (nome fictício), que está em uma unidade de internação provisória e retomou os estudos

    Uma das principais apostas é a adoção do ensino integral nas unidades –hoje, a avaliação é que os adolescentes infratores têm pouca educação no sistema que, por definição, é "socioeducativo".

    "O menino fica 45 dias sem sentença, em internação provisória. Quando volta para a escola, perdeu 45 dias. Como fazer com que a educação não se perca?", questiona o coordenador do Sinase (Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo), Cláudio Vieira.

    O documento, finalizado neste mês, ficará em consulta pública por 40 dias, segundo despacho do conselho.

    Hoje, 20.317 jovens estudam em turmas dentro das unidades de internação ou em escolas vinculadas.

    O próprio relatório do CNE, porém, elenca problemas. Entre eles estão a falta de estrutura das salas de aula, dificuldade em selecionar professores e a resistência de algumas escolas em matricular e manter o sigilo sobre alunos que estão em semiliberdade.

    Em São Paulo, Estado com o maior número de adolescentes em medida socioeducativa no país, 92% dos alunos estão em séries que não correspondem à idade, segundo a Fundação Casa.

    Em todo o país, a defasagem escolar desses jovens é de 88% nos anos finais do ensino fundamental, segundo dados do Ministério da Educação. Nas turmas regulares, abrange 27% dos alunos.

    Além do ensino integral, a superintendente pedagógica da Fundação Casa, Marisa Fortunato, defende a adoção de uma metodologia específica de ensino para esse jovem.

    Para a gerente de educação em direitos humanos do Distrito Federal, Daniela Gomes, é preciso uma abordagem que considere a individualidade desses alunos. "Devemos começar o trabalho a partir do que ele traz, e não a partir de uma definição curricular."

    Após o retorno aos estudos, João faz planos. Neste ano, além da escola, iniciou um estágio e um curso à distância. "Quero continuar trabalhando e fazer faculdade."

    PROJETO DE LEI

    Na quarta (17), uma comissão especial da Câmara dos Deputados aprovou a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos para crimes violentos.

    Nessa categoria foram incluídos, além dos crimes hediondos, como estupro e latrocínio, homicídio doloso (com intenção de matar), roubo qualificado (com uso de arma de fogo ou quando é praticado por duas ou mais pessoas) e lesão corporal grave, entre outros.

    O texto prevê que, para esses crimes, o menor infrator receba a mesma punição que seria aplicada a um adulto.

    Hoje, eles são enquadrados no Estatuto da Criança e do Adolescente, que tem como punição máxima a internação por três anos.

    O projeto precisa agora passar por discussão no plenário da Casa. Para ser aprovado, deve ter o apoio de pelo menos 60% dos deputados, em dois turnos de votação. Se passar, o texto segue para o Senado.

    Caso seja aprovado pelas duas Casas, o projeto vai direto para promulgação, sem passar pelo Planalto, por se tratar de emenda à Constituição.

    O texto aprovado na comissão por 21 votos a 6 é resultado de acordo entre o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e o PSDB. O PT e a presidente Dilma Rousseff são contra a diminuição da idade penal.

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