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    Vila fantasma: Após perder todos os moradores, aldeia vira ponto turístico

    ESTÊVÃO BERTONI
    ENVIADO ESPECIAL A ARARAPIRA (PR)

    13/07/2015 02h00

    Ararapira tem um punhado de casas, uma igrejinha do século 18 e um cemitério. Tem até uma cadeia.

    Mas a vila situada hoje no Paraná não tem gente. As casas, embora quase todas bem conservadas, vivem com as portas e as janelas cerradas.

    Não tem padre para rezar missa nem bandido para ser encarcerado ali.

    Só o cemitério, um dos únicos da região, está ativo.

    Não se sabe ao certo quando o último morador do lugarejo –que chegou a ter 500 habitantes– deixou o local.

    Sabe-se, porém, que o êxodo teve início há mais de meio século, legando a Ararapira, no município de Guaraqueçaba (PR), na divisa com SP, o apelido de vila fantasma.

    E é justamente o mistério que envolve sua história que tem atraído visitantes. Tamanha é a curiosidade sobre a vila que ela se tornou uma das principais atrações de um passeio organizado pela Prefeitura de Ilha Comprida (a 207 km da capital paulista).

    Inaugurado no início deste ano, o tour realizado no primeiro catamarã turístico do Estado apenas parava em frente à vila, só acessível por barco. Mas as pessoas começaram a pedir para conhecer o local de perto, segundo Rafael Xavier, guia do passeio. As visitas foram incorporadas à programação.

    "Tivemos até duas senhoras que quiseram conhecer porque tinham nascido ali, mas saíram crianças e tudo o que sabiam era o que ouviam de suas avós", conta o guia.

    Editoria de Arte/Folhapress

    No último sábado (11), quem atracava no local era recebido por José Zózimo Pereira Jr., 66. Advogado aposentado que fez carreira em São Paulo e que hoje vive em Cananeia, ele nasceu em Ararapira, mas saiu de lá aos 11.

    Uma vez por mês, vai com a mulher, o gato e o cachorro à casa que pertencia à sua família para aproveitar por alguns dias o sossego do local.

    "Aqui tinha cartório, posto fiscal, padaria, salão de cabeleireiro e clube. Não tenho saudades porque saí criança, mas nunca deixei de vir nas férias. E cada vez que eu vinha tinha menos gente. Só tem gente quando tem festa."

    NÃO TEM FANTASMA'

    Todos os anos, em 19 de março, as comunidades vizinhas e as pessoas que ainda têm ligação com o local festejam ali o dia de são José, padroeiro da vila (cujo nome oficial é São José do Ararapira).

    O movimento também aumenta em novembro, às vésperas de Finados, quando o cemitério costuma ser limpo.

    Há alguns anos, os ex-moradores espalhados por São Paulo e Paraná decidiram contratar um caseiro para cuidar do lugar. "Por isso, os turistas encontram as coisas mais ou menos organizadas. Não tem nada de fantasma aqui", afirma o advogado, que reclama da alcunha que considera pejorativa.

    Há várias explicações para a debandada geral. Uma delas envolve uma disputa entre Paraná e São Paulo, segundo José Carlos Muniz, historiador que estudou a vila e conta que as primeiras habitações surgiram ali logo no início da colonização do país.

    Até a década de 1920, Ararapira era paulista, mas virou território paranaense por decreto. Cananeia (SP), que mantinha serviços básicos no local, como os Correios, levou-os para a outra margem do rio, onde já era São Paulo.

    "O governo paulista deu subsídios para quem quisesse continuar paulista. Muitos saíram dali para fundar do lado a vila de Ariri. O Paraná ganhou o local, mas o abandonou", afirma o historiador.

    Outra explicação está na erosão que começou a engolir o povoado nos anos 1950, após abertura de canal artificial na área. Segundo José Zózimo, o que resta é um vigésimo do que havia antes. "A erosão foi bem forte nos últimos 30 anos. Se continuar, não existirá mais a igreja."

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