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    'Pedi tanto para ele criar juízo', dizia mãe de jovem condenado por estupro

    CLÁUDIA COLLUCCI
    DE SÃO PAULO

    18/07/2015 02h00

    Jailson Soares/ODIA
    Mãe e padrasto de Gleison Vieira da Silva, 17, choram durante enterro do jovem, condenado pelo estupro coletivo em Castelo do Piauí (PI)
    Mãe e padrasto de Gleison Vieira da Silva, 17, durante enterro do jovem, condenado por estupro coletivo

    No casebre em que vivia com a família, em Castelo do Piauí, o adolescente Gleison Vieira da Silva, 17, era tido como o protetor das irmãs menores –gêmeas de seis anos e outras duas, de 9 e 12 anos.

    O irmão mais velho, de 19 anos, têm sérios problemas mentais e, segundo a mãe, Elisabete Vieira da Silva, 35, já tinha tentado abusar sexualmente das meninas.

    Gleison teria enfrentado o irmão e impedido o crime. Por essa razão, Elisabete sempre acreditou na inocência do filho. "Como é que ia estuprar as meninas, se não permitia que o irmão fizesse isso com as irmãs?"

    O filho de Elisabete foi assassinado nesta quinta (17), em uma unidade para menores infratores em Teresina, após levar socos e pontapés.

    Segundo o governo, os suspeitos do homicídio são os três menores que, ao lado dele, participaram de estupro coletivo em Castelo do Piauí e dividiam a cela com ele.

    A Folha esteve na casa de Elisabete no dia 12 de junho, 16 dias depois de Gleison ter sido preso sob suspeita de participar do estupro coletivo de quatro adolescentes.

    Localizado em uma rua sem pavimentação na periferia de Castelo do Piauí, o casebre de dois cômodos e chão batido fica a 500 metros do morro do Garrote, local em que ocorreu a barbárie.

    Editoria de Arte/Folhapress

    Elisabete está grávida de quatro meses do sétimo filho. O atual marido, pai do bebê, é alcoólatra e vive de bicos eventuais. A única renda fixa vem do governo federal por meio do Bolsa Família e da aposentadoria de um salário mínimo do jovem deficiente.

    Gleison estudou até o quinto ano do ensino fundamental, mas mal sabia ler e escrever. Sua assinatura nos autos policiais lembra a de criança em processo de alfabetização.

    Segundo Elisabete, há anos o filho estava afastado da escola. Tinha frequentado ao menos três colégios na cidade, mas foi expulso de todos. Era tido como aluno violento.

    A mãe não se lembra do ano em que ocorreu a última expulsão. Recorda-se, contudo, da violenta briga entre Gleison e outro rapaz. "Eles quase se mataram."

    Ele era usuário de drogas desde os 13 anos. Começou com maconha, cachaça e, por fim, crack. Tinha várias passagens por roubo e uma internação de um mês e 45 dias numa unidade para menores.

    "Pedi tanto, tanto para ele criar juízo, estudar, parar de andar em más companhias. A gente é pobre, mas não é bandido. Já passei muita fome, mas minha mãe nunca deixou a gente pegar nada que fosse dos outros. Ele tinha comida em casa."

    Assista

    No dia do estupro, 27 de maio, Elisabete conta que o filho passou o dia "na rua, sem fazer nada". Voltou para casa tarde da noite. Estava drogado e muito nervoso.

    Havia muita movimentação de policiais na cidade à procura dos estupradores. Naquela altura, as meninas já haviam sido encontradas por moradores. Horas depois, na madrugada, Gleison foi apreendido por participação no crime. Estava dormindo.

    Na primeira audiência dos adolescentes, em 11 de junho, Elisabete não quis ver o filho. Pediu que o seu marido fosse representá-la. "Sou hipertensa, estou grávida, não posso passar nervoso", justificou.

    Na volta, o marido lhe contou que Gleison havia perguntado por ela e chorado muito. "Ele disse: 'eu devia ter escutado mainha'".

    No dia da visita da Folha, Elisabete estava apreensiva com os boatos de que o filho tinha sido morto no centro educacional em Teresina.

    Vizinhos chegaram a mostrar fotos de um corpo ensanguentado e perfurado. Também deram um recado: a população de Castelo não permitiria que o garoto fosse enterrado no município.

    Ao relatar isso, Elisabete caiu no choro. "Como vai ser se eu não conseguir enterrar meu filho?", perguntava.

    Gleison foi enterrado em Teresina. Em Castelo do Piauí, quando souberam da sua morte, moradores soltaram fogos em comemoração.

    *

    CRONOLOGIA

    27.mai
    Quatro jovens são estupradas e atiradas do Morro do Garrote, em Castelo do Piauí. Um maior e quatro menores de idade são presos nos dias 28 e 29

    1º.jun
    Os quatro adolescentes apontados de cometerem o crime são transferidos do centro socioeducativo, em Teresina, para o Ceip

    7.jun
    Danielly Rodrigues Feitosa, 17, uma das vítimas, morre após dez dias internada. No dia 13, sua missa de sétimo dia reúne mais de 500 pessoas

    11.jun
    Começa o julgamento dos quatro jovens, dias após Gleison Vieira da Silva, 17, delatar que cometeu o crime com os colegas

    15.jun
    Ministério Público do Piauí entrega denúncia contra Adão José de Souza, 40, citado como líder do crime. Pena pode ser de mais de 150 anos

    10.jul
    Decisão jurídica de 24 anos de internação para os jovens. No Ceip, Gleison da Silva fica em cela separada dos outros três

    15.jul
    Às 17h, os menores culpados do crime são transferidos para o CEM, após permanecerem prazo máximo no Ceip. Lá, os quatro ficam na mesma cela

    16.jul
    Gleison Vieira da Silva, 17, é morto. A suspeita é que seus colegas de cela –que cometeram o crime junto com ele– o tenham matado por volta das 23h

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