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    Crise da água

    'Tarifa de água é baixa em SP e cliente poderia pagar mais', diz presidente da Sabesp

    EDUARDO GERAQUE
    GUSTAVO URIBE
    DE SÃO PAULO
    EDUARDO SCOLESE
    EDITOR DE "COTIDIANO"

    20/07/2015 02h00

    O presidente da Sabesp, Jerson Kelman, afirma, em entrevista à Folha, que não haverá rodízio neste ano em SP e defende que o consumidor tem condições de pagar mais pela tarifa de água do que desembolsa atualmente.

    Leia os principais trechos:

    Zé Carlos Barretta/Folhapress
    O presidente da Sabesp, Jerson Kelman, que promete que não haverá rodízio em 2015
    O presidente da Sabesp, Jerson Kelman, que promete que não haverá rodízio em 2015

    *

    FOLHA - Estamos no meio do período seco, não conseguimos recuperar a água do volume morto e regiões de São Paulo passam horas sem água durante o dia. O discurso do governo, neste momento, não está muito otimista em relação à gravidade da situação?
    JERSON KELMAN - O discurso é realista. Reduzimos a produção de água potável em 30%, portanto existe alguma restrição ao consumo, mas não é um rodízio [corte do fornecimento] que a população de São Paulo entende como racionamento [entrega controlada de água]. A situação dos reservatórios, que está andando de lado [sem quedas fortes] porque não estamos depreciando eles significativamente, nos permite afirmar que não haverá rodízio em 2015.

    Hoje a Sabesp está preparada para um rodízio?
    Posso falar que não haverá rodízio em 2015, e a Sabesp fez ações permanentes nos pontos mais críticos da região metropolitana.

    Uma das principais críticas à gestão da água nos últimos dois anos foi a falta de transparência, principalmente antes do período eleitoral. Hoje, a realidade é a de falta de água para muitas residências. Por que a Sabesp e o governo não admitem que há um racionamento, em vez de usar o termo 'redução de pressão'?
    A experiência da população paulista faz ela entender que racionamento, porque ela já passou pela experiência, é sinônimo de rodízio, e isso não temos. Nunca escamoteei que há uma redução de produção da ordem de 30% e alguma restrição se impõe à população. O que a Sabesp tem se preocupado é que essa redução de pressão, se resultar em falta de entrada de água por algumas horas, no caso, não signifique falta de água para consumo das populações. Basta elas terem caixa-d'água. Nunca neguei que estamos em uma situação anormal.

    Esse inconveniente da redução da pressão não tem prazo para terminar?
    O prazo depende de recuperarmos a situação de conforto nos mananciais.

    Estamos livre do rodízio até o final do próximo verão [março de 2016]?
    Não é possível afirmar isso. A grande incógnita é a afluência [entrada de água] no próximo verão. Outubro, novembro e dezembro tem que chover. Não há dúvida, que é preciso que a precipitação [chuva] volte a normalidade, perto da normalidade, para sairmos da situação de anormalidade. Isso é claro.

    O governo diz que só 1% população está sendo prejudicada por causa da redução da pressão. Isso não é minimizar um problema?
    A redução de pressão atinge quase toda a região metropolitana. Não é isso. O que estou dizendo é que ficar longas horas sem água é algo que, no início do processo de redução de pressão [em 2014], significou, para aquelas famílias que não tinham caixa-d'água, efetivamente ficar sem água mais de 24 horas. E isso, quando acontecia, era menos de 1% da população. Porque não tinham caixa-d'água. Mas não estou menosprezando isso.

    Para evitar o rodízio, o governo está fazendo uma série de obras emergenciais com ritos ambientais mais rápidos. Era o único caminho?
    A Sabesp está fazendo obra com todas as licenças. Se essas obras não fossem emergenciais, se elas não fossem realizadas, teríamos imposto à população uma situação de estresse de fato muito superior ao que se passou.

    Mas os ritos ambientais foram mais rápidos...
    O órgão de licenciamento ambiental Cetesb [do governo do Estado] soube corretamente avaliar de uma forma expedita, mas completa e profunda, quais seriam as consequências ambientais dessas obras, que são desprezíveis. O impacto ambiental é desprezível, porque estamos em uma região urbana. E ela soube avaliar qual seria o impacto social da não realização dessas obras.

    Que tipo de impacto desprezível o senhor fala?
    Estamos colocando tubulações por zonas urbanas e, por exemplo, em uma faixa [de terreno] da Petrobras [na ligação entre a Billings e o Alto Tietê]. Qual é o impacto disso? Nenhum. Estou dizendo desprezível, porque talvez tenha sido cortado alguma grama. Mas grama nem foi tirada. Não tem nada. Não tem absolutamente nada. Por cautela, estou dizendo desprezível.

    Mas o órgão ambiental avaliou o que? Porque não deu tempo de fazer estudo de impacto...
    Se você disser que eu peso uma tonelada, você acredita? Você não precisa me colocar na balança.

    Mas isso está na lei...
    Não vou aqui discorrer sobre a decisão do órgão ambiental, estou apenas elogiando o órgão ambiental.

    Mas o órgão ambiental fez essa autorização com base em que? Ele foi lá e olhou a obra?
    Entregamos toda a documentação necessária.

    Zé Carlos Barretta/Folhapress
    Jerson Kelman, presidente da Sabesp, analisa relatório com estratégias e soluções da empresa em entrevista
    Jerson Kelman, presidente da Sabesp, analisa relatório com estratégias e soluções da empresa

    O Ministério Público parece que não está convencido desse seu argumento...
    Teremos a possibilidade de discutir com o Ministério Público.

    Há diálogo com o Ministério Público?
    Eu propus uma conversa informal, mas não consegui ainda que essa conversa se efetivasse.

    Do conjunto de obras emergenciais, algumas já estavam no planejamento da Sabesp há anos. Houve falha de planejamento? Elas não poderiam ter sido iniciadas anteriormente?
    Para imaginar que obras deveriam ter sido feitas para enfrentar uma seca como a do ano passado, com uma probabilidade tão baixa [de ocorrer], o governante ou precisaria ter uma bola de cristal ou seria questionado por desviar recursos da educação e da saúde para se preparar para algo que tinha pouca probabilidade de acontecer.

    O padrão de consumo da população vai mudar com a crise atual?
    A experiência do racionamento de energia de 2001 mostrou que, por alguns anos depois, a população aprendeu com a mudança do hábito, ficou mais parcimoniosa no uso de recursos que são escassos. Mas, ao longo dos anos, começou a voltar ao comportamento anterior. É provável que aconteça a mesma coisa com o consumo de água.

    A situação financeira hoje da Sabesp é preocupante?
    É inegável que se estamos vendendo menos água e demos um bônus para incentivar a redução do consumo. Houve impacto nas receitas e nas finanças da empresa. Como a crise é absolutamente circunstancial, a Sabesp não tem problema econômico, mas financeiro local. A empresa é sadia economicamente e, saindo da crise, estará em condições para atender as expectativas dos consumidores e dos investidores. Agora, como estamos enfrentando a crise financeira circunstancial? Com redução de custos e com uma série de medidas. Estamos vendendo as joias da avó: faremos a venda de ativos que não são operacionais, como terrenos e imóveis, e buscaremos recuperar recursos de devedores nos setores privado e público. Nós faremos um feirão com os nossos devedores, oferecendo condições favoráveis para liquidarem as dívidas com a empresa.

    Qual é o volume de arrecadação esperado com a venda dos ativos e com a realização do 'feirão'?

    Não pretendo gerar expectativa, porque depois pode frustrar. Estamos levantando os ativos não operacionais que irão ser colocados à venda e temos um volume grande de devedores a quem vamos dar a oportunidade em um feirão de regularizarem a situação, que serão primeiro os particulares. Sempre quando são criadas condições favoráveis, no entanto, cria-se um problema. Há alguns que podem não pagar porque acham que pode haver uma anistia no futuro. Mas nesse caso não haverá, porque a situação é absolutamente circunstancial.

    E no casos dos devedores públicos?
    Temos muitos municípios que nos devem em relação à conta de água. Na semana passada, mandamos 24 municípios devedores para o Cadin [Cadastro Informativo Municipal], que representam a primeira leva. São os que têm dívidas mais antigas, devedores contumazes. Isso significa que essas prefeituras estarão impedidas de receberem repasses dos governos estadual e federal. A atitude da Sabesp é de perseguir com resolução a cobrança das dívidas. Há municípios que não pagam a conta de água há anos e, em alguns casos, há décadas. A tolerância acabou.

    No início do ano, a Sabesp vinha estudando implementar mudanças na atual estrutura tarifária, eliminando, por exemplo, distorções regionais. Quando a empresa deve promover alterações?
    A Arsesp, agencia reguladora, solicitou que a Sabesp faça uma proposta de estrutura tarifária. Não há nenhuma razão para que o serviço de esgoto seja dissociado do serviço de água. O que tem de se cobrar é pelo serviço integrado, não separado. Se alguém consome água, automaticamente produz esgoto.

    O senhor considera que a tarifa de água é barata hoje para a maioria da população?
    A tarifa de água da Sabesp ou do Brasil é baixa comparada à tarifa de outros países e de outros serviços. E, na minha opinião, não corresponde à disponibilidade a pagar do consumidor. O cidadão paga muitas vezes mais pela conta de celular do que paga pela conta de água. A minha percepção é que o maior interesse do consumidor está vinculado a pagar uma tarifa que permita à Sabesp prestar um serviço da melhor qualidade possível.

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    RAIO-X - Jerson Kelman

    Idade
    67

    Formação
    Engenheiro civil pela UFRJ e doutor em hidrologia e recursos hídricos pela Universidade Estadual do Colorado (EUA)

    Carreira
    Professor da Coppe-UFRJ e ex-presidente da ANA (Agência Nacional de Águas), entre outros

    Cargo
    Presidente da Sabesp

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