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    Missa do Vaqueiro atrai multidão com rapadura e pai-nosso próprio

    PATRÍCIA BRITTO
    DO RECIFE

    25/07/2015 17h33

    Sob o sol e a poeira do sertão de Pernambuco, uma procissão de sertanejos a cavalo chega ao Sítio das Lages para participar de mais uma Missa do Vaqueiro, celebrada por um padre de batina e chapéu de couro. A tradição acontece no município de Serrita, a 535 km do Recife.

    Enquanto os vaqueiros se acomodam na arena em forma de ferradura, um coral entoa no altar uma sequência de aboios -as cantigas de boiadeiros. Neste domingo (26), a cerimônia completa 45 anos. O evento cresceu e hoje atrai, segundo a organização, cerca de 70 mil pessoas (quase 1.500 deles vaqueiros) de vários Estados para os três dias de festival, com shows de forró, disputas de pega-de-boi, vaquejada e feira de artesanato.

    A missa foi rezada pela primeira vez em 1971, em homenagem ao vaqueiro Raimundo Jacó, assassinado em 1954. Conta a lenda do sertão que ele foi morto pelo amigo Miguel Lopes, por inveja, quando resgatou uma novilha sumida no mato. O caso nunca foi esclarecido pela polícia.

    A Morte do Vaqueiro

    Jacó era primo de Luiz Gonzaga, o rei do baião, que em sua homenagem compôs "A Morte do Vaqueiro" e, com o padre João Câncio, organizou a primeira missa, a céu aberto no meio da caatinga.

    "Eles decidiram celebrar a missa em protesto contra as impunidades. Em terra de coronel, era comum o mais forte prevalecer", conta Helena Câncio, viúva do padre e atual organizadora do evento -o casamento afastou João Câncio da batina em 1980.

    "Onde tinha um boi perdido, ele [Jacó] ia montado ou em pé, levava o cachorro, o chocalho, a corda de laçar, entrava na caatinga e só voltava com o boi amarrado", afirma o repentista Pedro Bandeira no filme "Missa do Vaqueiro", de Wagner Indaiá.

    Reconhecido na região como um encantador da boiada, Jacó passou a representar a bravura do sertanejo diante das dificuldades do sertão.

    Como oferendas, os vaqueiros deixam botas, chapéu, chicote e as outras 15 peças que formam o traje. Comungam com queijo, rapadura e farinha de mandioca. A liturgia segue as "Rezas do Sol", conjunto de mensagens, orações e canções compostas por Janduhy Finizola que expressam a religiosidade do nordestino.

    Os vaqueiros acompanham as duas horas de cerimônia em seus cavalos e rezam em coro: "Pai nosso que estais nos céus do sertão/ santificado quem sobre este chão/ sertanejo faz oração/ é sofrido e vivido de solidão/ nas quebradas nos tabuleiros/ só pensa que a vida está sem razão".

    Neste ano, o governo de Pernambuco, que patrocina a cerimônia, reduziu em 30% o orçamento, que ficou em R$ 500 mil. Segundo a organização, a festa deixou de ter uma atração nacional, mas manteve toda a tradição.

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