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    Crise da água

    Dona de casa de SP divide o dia entre antes e depois de torneira secar

    EDUARDO ANIZELLI
    FABRÍCIO LOBEL
    DE SÃO PAULO

    30/07/2015 02h00

    Quando criança, Maria Cristina da Silva caminhava todos os dias pelos campos secos da sua Paraíba natal para buscar água no açude de Alagoa Grande.

    Hoje, aos 42 anos, mãe de três filhos e avó, revive na crise hídrica de São Paulo a rotina aprendida na infância na seca nordestina.

    Afinal, só carregando baldes a dona de casa consegue garantir que sua família tenha água para beber, cozinhar e tomar banho na favela Jardim Santa Cruz, no bairro de mesmo nome, na zona norte da capital paulista.
    Maria Cristina é uma das moradoras de São Paulo que sentem na pele, há mais de um ano, as dificuldades da crise hídrica -apesar da promessa do governador Geraldo Alckmin (PSDB), na campanha de 2014, de que a cidade não ficaria sem água.

    Na casa dela todos os dias a água acaba às 17h. "Nessa hora, a torneira começa a fazer um chiado e logo a água acaba", diz a dona de casa.

    Esse é um dos efeitos colaterais da principal arma empregada pelo governo do Estado e pela Sabesp contra a crise hídrica que ameaça secar os reservatórios da Grande São Paulo: as manobras de redução de pressão.

    Com essa medida, a empresa paulista de saneamento diminui a força com que a água é empurrada pelos canos.

    Nos locais mais altos ou mais distantes das represas, o resultado é um racionamento diário de água. Em alguns bairros, essa manobra dura 18 horas do dia.

    Por isso, o dia de Maria é dividido em dois, antes e depois da torneira secar.

    Antes das 17h, é hora do banho, de lavar roupa e a louça da noite anterior.

    Depois das 17h e do chiado nos canos, Maria sabe que irá perder alguns confortos como o chuveiro quente, a água escorrendo da torneira e a descarga na privada.

    "Se quiser tomar banho, só se for antes desse horário. Depois, só de canequinha."

    Maria Cristina conta rindo a vez em que o marido, Dada, chegou do trabalho e entrou no banho, sem perceber que estava perto da hora em que a água sempre acaba.

    "O homem estava todo ensaboado, a água acabou e ele saiu do banheiro xingando."

    Outro banho que exige cuidados especiais na casa é o do seu quarto filho, Raí, 11.

    Com paralisia cerebral e saúde frágil, o garoto toma banho em uma bacia, já que a mãe não tem como mantê-lo em uma posição confortável no banheiro de casa.

    Raí é sensível às baixas temperaturas e, sempre que precisa de banhos noturnos, Maria tem que esquentar a água em uma caneca.

    Ela então mistura a água quente com a água fria para poder dar banho no menino. Quando tem água corrente na casa, essa tarefa é mais fácil, já que ela pega a água diretamente do chuveiro.

    CAIXA-D'ÁGUA

    Para usar água durante a noite, Maria precisa manter um estoque em uma caixa-d'água de 310 litros, que fica no segundo andar.

    O reservatório é abastecido com a ajuda de uma mangueira, já que Maria não pôde conectá-lo às tubulações da casa por falta de dinheiro para a obra.

    A caixa d'água é algo novo na casa de Maria Cristina. Ela só comprou o reservatório depois de ouvir na televisão Paulo Massato, um diretor da Sabesp, dizer que São Paulo corria o risco de ficar cinco dias sem água por semana.

    "Depois disso, a favela toda correu para comprar caixa-d'água. Teve loja que não tinha pra vender." Ela conta que teve medo de não ter água para dar ao filho.

    Hoje é a água dessa caixa que supre as necessidades da casa durante a noite.

    "No aniversário do Raí, fizemos uma festa. E toda vez que alguém ia ao banheiro [no andar térreo], eu tinha que subir até a caixa-d'água [no segundo andar da casa], encher um balde, descer as escadas e jogar a água na privada. Imagina fazer isso durante a noite toda!", conta.

    PREVISÃO

    Maria só fica pessimista quando olha para o céu em busca de indícios de chuva sobre São Paulo.

    "Tem que chover para melhorar. Mas eu acho que a situação não volta mais do jeito que era, não. Para encher [os reservatórios de São Paulo], vai demorar é anos."

    Assim como Maria, a Sabesp estima que 200 mil pessoas na Grande São Paulo passam por essa restrição diária de água.

    E, mesmo com os principais reservatórios da metrópole perdendo cada vez mais água, tanto o governador Alckmin como o presidente da Sabesp, Jerson Kelman, já descartaram a adoção de um rodízio oficial neste ano.

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