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    Estudantes da USP voltam para casa na garupa de vigias

    JULIANA GRAGNANI
    DE SÃO PAULO
    LAURA LEWER
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    09/08/2015 02h00

    Quando Gustavo Patino, 27, sobe na garupa de uma moto e sai em direção à república estudantil onde vive, no Jardim Rizzo, algumas pessoas se assustam. Acham que ele e o motorista do veículo, um vigia do bairro, são assaltantes.

    Virou rotina para o porto-riquenho Patino, estudante de engenharia da USP, a carona na garupa dos vigias. Três seguranças prestam o serviço na Vila Indiana e no Jardim Rizzo, bairros próximos à universidade abrigam diversos estudantes.

    Sirenes ocasionais anunciam a chegada de Marcelo José da Silva, 31, Cirineu Monteiro da Silva, 18, e Diogo Rodrigues, 18, que percorrem os bairros em motos –os apetrechos sonoros foram instalado nos veículos para chamar atenção, segundo Marcelo.

    Uma parada é obrigatória: o portão da Vila Indiana, passagem do bairro para a Cidade Universitária.

    Com uma portaria e dois guardas terceirizados, a entrada para pedestres fica perto do Instituto de Ciências Biológicas. É ali que alguns alunos esperam para subir nas motos.

    Tudo começou há alguns anos, quando uma aluna da USP foi assaltada ao voltar para casa, no Jardim Rizzo, às 22h. Marcelo era vigia do bairro e recebia contribuições de moradores das casas. Lembra ter sido abordado pela estudante: "Se eu pagar um pouco mais, você me busca?". Ele disse que sim. "E aí ficou no boca a boca", conta.

    Depois, o negócio cresceu, e os dois outros vigias também passaram a buscar os alunos. Hoje, são oito que ligam com regularidade.

    São moradores de casas que dividem uma mensalidade de R$ 50 pelo pacote —vigiar o bairro e buscá-los na porta da USP.

    Alguns pedem que os vigias os acompanhem de moto, enquanto andam a pé; outros sobem na garupa. Há os que chegam de carro em casa e pedem cobertura de um dos três. Os seguranças são acionados pelos estudantes por meio do celular.

    Quando há muitas ligações, os vigias dão preferência à "ordem de ligada". Costumam chegar em menos de dez minutos. "Mesmo quando estamos longe e demoramos 20 minutos, os alunos esperam", afirma o vigia Cirineu Monteiro da Silva, 18.

    Patino, o porto-riquenho, divide a casa com dois alunos estrangeiros: uma portuguesa e um colombiano. Ambos são adeptos das garupas.

    "Os alunos se aglomeram na porta, até juntar um grupo", conta o segurança Álvaro Rosa, 43, que fica na guarita da passagem. "Eles esperam, ligam para amigos e voltam para casa juntos."

    MODELO JAPONÊS

    Todas as noites, na Cidade Universitária, 12 guardas vigiam uma área equivalente a 470 campos de futebol. Nos períodos da manhã e da tarde há, respectivamente, 19 e 14 agentes. A equipe tem, no total, 47 profissionais —eles revezam folgas.

    Editoria de Arte/Folhapress

    O chefe de segurança da USP, professor José Antonio Visintin, admite que há poucos agentes, mas defende o novo modelo comunitário de segurança, inspirado num programa japonês, com a instalação de uma base física da Polícia Militar —atualmente, a corporação pode entrar no campus, onde mantém um trailer e faz rondas.

    Na sexta-feira (7), o secretário estadual de Segurança Pública da São Paulo, Alexandre de Moraes, anunciou que os agentes que fizerem o policiamento serão PMs da mesma faixa etária dos estudantes, até 26 anos.

    Visintin diz que a divisão igual de gêneros entre os PMs será priorizada.

    Antes de ser implantado, o novo sistema ainda terá de ser discutido internamente.

    Visintin diz que deu início nessa semana à poda de todos os arbustos e galhos de árvores da USP, medida que, segundo ele, é essencial para a segurança na universidade. "Vai ficar só grama", afirma, sem informar prazos. "É preciso ter uma visão muito ampla do campus."

    Uma das maiores reclamações de alunos é a escuridão em locais como a praça do Relógio, onde ocorreu um estupro em junho. Visintin diz que a praça é um "ponto crítico" e promete que ela receberá mais iluminação. Outros locais escuros ficam na região do portão da Vila Indiana e do bandejão da prefeitura do campus (veja mapa acima).

    PM NO CAMPUS

    A entrada da Polícia Militar no campus não é um consenso entre alunos.

    A medida é contestada pelo DCE (Diretório Central de Estudantes). "A PM não cumpre o papel de segurança fora da USP, não teria por que ser diferente dentro", diz Arieli Moreira, 25, aluna e integrante da diretoria do DCE. Para ela, a PM entra no campus para "coagir movimentos sociais".

    Visintin garante que a PM comunitária não vai interferir em greves e protestos. "Nem vão tomar conhecimento", diz. "São nossos amigos."

    O DCE defende um plano de segurança que inclua treinamento da guarda universitária de modo que ela não proteja apenas o patrimônio, a contratação de mais mulheres agentes (hoje, só há homens) e a instalação, no campus, de um centro de atendimento às mulheres.

    A preocupação com a violência também mobiliza professoras da universidade. Há três meses, um grupo de cerca de 200 criou a rede Quem Cala Consente, instadas pelas denúncias de estupros na Faculdade de Medicina.

    "O que nos mobilizou foi a cumplicidade com a impunidade por parte da USP", diz Vera Paiva, professora do Instituto de Psicologia. As professoras querem fazer uma campanha que aborde a questão do consentimento e capacitar professores para acolher alunas em situações de violência.

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