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    Detento com 3 gramas de maconha guia definição sobre uso de drogas

    LUCAS FERRAZ
    DE SÃO PAULO

    12/08/2015 02h00

    Um flagrante de maconha em julho de 2009 dentro do centro de detenção provisória de Diadema (SP) vai guiar o julgamento do STF (Supremo Tribunal Federal), previsto para começar nesta quinta-feira (13), que decidirá se é crime ou não portar drogas para consumo pessoal.

    A partir da pena imposta ao detento, um mecânico de 55 anos, a corte discutirá a constitucionalidade de artigo da Lei Antidrogas que criminaliza o porte de entorpecentes.

    Numa inspeção de rotina na cela que abrigava 33 pessoas, os agentes encontraram a maconha dentro de um marmitex. Francisco Benedito de Souza, detento que acompanhava a inspeção, assumiu a droga –posteriormente, em juízo, ele negaria.

    Francisco chegara à cadeia da Grande SP um mês antes de ser flagrado com os três gramas da droga. Dono de extensa ficha criminal (porte de armas, roubos, contrabando), ele fora condenado a mais de dez anos de prisão.

    Pelo novo crime, porte de drogas para consumo pessoal, previsto no artigo 28 da Lei Antidrogas, em vigor desde 2006, o detento começou a ser julgado em fevereiro de 2010.

    A defesa dele foi conduzida pelo defensor público Leandro Castro Gomes, 31.

    "Aleguei a tese da inconstitucionalidade, ninguém poderia ser punido por uma decisão pessoal, que não interferia e não lesionava direitos alheios. Isto é, aleguei que não era crime possuir drogas para uso pessoal", afirmou Gomes, lotado atualmente na Defensoria de Taubaté (SP).

    Legislação antidrogas no mundo

    Na audiência, ele pediu uma simples advertência ao réu, ressaltando a condição de preso e reincidente.

    "Todos que estavam na sala me olharam espantados e não conseguiram segurar o riso. 'Doutor, quer dizer que agora pode fumar um baseado, é?'. Falei que pelo menos crime com certeza não seria", relembra o defensor.

    Na sentença, a juíza Patrícia de Toledo alertou para o "mal potencial que [o réu] pode gerar à coletividade". Para ela, "por menor que seja a quantidade", ele deveria ser condenado para evitar "tornar-se traficante ou viciado".

    Francisco sofrera mais uma condenação: dois meses de prestação de serviços à comunidade. O defensor recorreu ao Juizado Especial de Diadema, em junho daquele ano, mas de novo saiu derrotado.

    Influenciado por decisões de cortes internacionais, como a da Argentina, que descriminalizou a posse de drogas em 2009, o defensor apresentou o recurso ao Supremo.

    "Queria somente esgotar os meios de defesa, não imaginava essa repercussão", disse sobre o julgamento previsto para começar na quinta.

    Moacyr Lopes Junior/Folhapress
    O defensor Leandro Castro Gomes no fórum de Taubaté (SP)
    O defensor Leandro Castro Gomes no fórum de Taubaté (SP)

    'LEGIÃO DE USUÁRIOS PRESOS'

    Ao levar o caso do mecânico Francisco de Souza ao STF, o defensor Leandro Castro Gomes argumenta que consumir drogas é um ato privado e que o dispositivo da Lei Antidrogas que criminaliza o seu porte fere o princípio da inviolabilidade da vida íntima, previsto na Constituição.

    Esse será o ponto de partida da apreciação do recurso.

    "Há uma legião de usuários presos, confundidos com traficantes", ressalta o defensor. Segundo o Ministério da Justiça, de um total de 607 mil presos no país, 27% estão relacionados à Lei Antidrogas.

    O STF deve também discutir parâmetros –e quantidades– do porte de drogas para distinguir o usuário do traficante. A lei em vigor relega a interpretação à polícia.

    Sobre os rumos da vida do mecânico, o defensor desconversa. "Como meu principal argumento é o direito à intimidade, seria um contrassenso se eu expusesse a sua privacidade", finalizou.

    Francisco de Souza não foi localizado. A SAP (Secretaria de Administração Penitenciária) do governo paulista não informou se o mecânico ainda continua detido.

    Clique na infografia: Entenda a descriminalização das drogas

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