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    É erro punir usuário de droga pois ele não prejudica ninguém, diz advogado

    LAURA LEWER
    THIAGO AMÂNCIO
    COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

    12/08/2015 12h00

    O STF (Supremo Tribunal Federal) deve começar a discutir nesta quinta-feira (13) se o artigo da Lei Antidrogas que criminaliza o porte de entorpecentes para consumo pessoal é constitucional ou não. O julgamento, contudo, divide especialistas, que se mobilizam para influenciar na decisão.

    É o caso de Cristiano Maronna, vice-presidente do IBCCrim (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais), instituto "amicus curiae" da ação que será julgada. Os "amicus curiae" apresentam suas opiniões à Corte a fim de contribuir com o debate.

    Para Maronna, doutor em direito penal pela USP e secretário-executivo da Plataforma Brasileira de Políticas de Drogas, não se pode punir os usuários porque que eles não causam danos a terceiros. A opinião diverge à de Ronaldo Laranjeira, professor da Unifesp, que afirma que a mudança na lei vai facilitar o tráfico de drogas

    Leia abaixo trechos da entrevista à Folha.

    Divulgação/Plataforma Brasileira de Políticas de Drogas
    Cristiano Maronna, vice-presidente do IBCCrim (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais)
    Cristiano Maronna, vice-presidente do IBCCrim (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais)

    *

    Folha - O senhor é a favor ou contra a descriminalização do porte de drogas para uso pessoal?
    Cristiano Maronna - Sou absolutamente favorável pelo argumento jurídico. A lei penal não possui legitimidade para punir uma conduta que não causa danos a terceiros. Uma das características do direito penal democrático é a alteridade, ou seja, só pode haver crime quando uma determinada conduta lesiona um interesse de terceiros. Quem usa drogas, está causando, na pior das hipóteses, lesão à sua própria saúde, jamais à saúde de terceiros.
    A ideia que prevaleceu até hoje na jurisprudência, de que o porte de drogas representa um perigo potencial de aumento do consumo e da dependência, é algo inaceitável do ponto de vista jurídico. Como você vai responsabilizar uma futura e indeterminada ação que pode causar prejuízos a terceiros? Isso é algo que não faz muito sentido.
    Numa sociedade como a nossa, drogas legalizadas muitas vezes causam mais prejuízos que drogas ilegais. E são toleradas e reguladas, como o álcool, tabaco, fármacos. Numa sociedade em que é possível pular de paraquedas, lutar boxe, comer gordura trans, não faz muito sentido você querer proteger [a população] justamente em relação a essas substâncias [ilegais].

    Como resolver o problema do consumo excessivo de drogas?
    A melhor forma de lidar com isso é por meio da regulação: criação de regras que criem mecanismos capazes de reduzir riscos. Como existe com o álcool, com o tabaco etc.

    Mas isso não vai ser discutido no Supremo agora.
    Não. [A discussão] é simplesmente se o Estado pode ou não considerar crime essa conduta. E a gente entende que não, porque não é papel do Estado realizar educação moral de pessoas adultas. As pessoas fazem suas escolhas, e, desde que essas escolhas não criem problemas diretos para terceiros, o Estado não pode interferir. Entre quatro paredes o indivíduo é soberano, ele pode fazer o que quiser em termo de costumes, de sexualidade e de uso de substâncias psicoativas.

    E quando o consumo não é entre quatro paredes?
    Evidentemente, se o sujeito faz uso de uma substância psicoativa e vai dirigir um automóvel, por exemplo, se ele está colocando em risco terceiros, aí sim há justificativa para a intervenção penal. O uso, por si só, o porte para uso, é uma conduta que não deve ser objeto de incriminação.

    Clique na infografia: Entenda a descriminalização das drogas

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