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    Réu de processo que guiará Supremo defende a descriminalização de drogas

    LUCAS FERRAZ
    DE SÃO PAULO

    19/08/2015 02h00

    Fabio Braga/Folhapress
    Francisco Benedito de Souza, 55, no bar na zona sul de São Paulo que ele pretende inaugurar em breve
    Francisco Benedito de Souza, 55, no bar na zona sul de São Paulo que ele pretende inaugurar em breve

    Homem mirrado e de poucas palavras, Francisco dá de ombros para a súbita fama que seu flagrante de maconha ganhou ao guiar o julgamento do STF (Supremo Tribunal Federal) sobre a descriminalização do porte de drogas para consumo pessoal.

    Só na semana passada, conta, quando o caso entrou na pauta do dia da corte, é que ele diz ter tomado conhecimento de que seu processo, iniciado há seis anos, estava na mais alta esfera do Judiciário, com o poder de formar um novo entendimento jurídico para o porte de entorpecentes.

    Se não houver novo adiamento, o tribunal deve começar nesta quarta-feira (19) a julgar o recurso, que foi apresentado em 2011 pela Defensoria Pública de São Paulo.

    Clique na infografia: Entenda a descriminalização das drogas

    "Espero que venham coisas boas, para mim e para quem gosta de fumar um baseadinho", afirmou o ex-detento Francisco Benedito de Souza, 55, processado - e condenado - pelo porte de três gramas de maconha.

    Em julho de 2009, um mês depois de ser preso pela quinta vez, ele foi flagrado com a droga em uma inspeção de rotina na cela que dividia com 33 pessoas em Diadema (SP).

    "Era minha mesmo. Eu já tinha fumado maconha antes, mas na cadeia eu usava para dormir, funcionava como um calmante", disse.

    Enquadrado por diversos crimes, Francisco teve em sua ficha a inclusão de mais um delito, o porte de drogas para consumo pessoal, previsto no artigo 28 da Lei Antidrogas, em vigor desde 2006.

    O defensor público Leandro Castro Gomes, que o defendeu, alegou o direito à inviolabilidade da intimidade e da vida privada, prevista na Constituição, e argumentou que não havia crime, já que o ato não feria direitos de terceiros. Como a condenação foi mantida, o defensor levou o caso ao STF.

    Nascido na pequena Cariús, no interior cearense, Francisco está radicado na Grande São Paulo desde 1979, ano em que deixou sua terra em busca de trabalho e dias melhores na maior cidade do Brasil. Por aqui fez de tudo: trabalhou como pedreiro, mecânico, vendedor e feirante.

    Em meados dos anos 90, após deixar a feira, passou a atuar com compra e venda de carros usados, período em que se deu o batismo no crime.

    A primeira prisão, por receptação de veículo roubado, foi em 1997. Dois anos depois, Francisco voltaria à cadeia pelo mesmo crime, responsável também pela terceira detenção, em 2001, e pela quarta, em 2002. Na quinta e última prisão, em 2009, ele foi condenado por roubo e falsidade ideológica.

    "Não matei ninguém, mas fiz negócios ilícitos aos montes. Era só me envolver em coisa errada que era preso, nunca dava sorte", rememora o ex-detento na Vila Missionária, bairro pobre da zona sul paulistana onde ele trabalha para abrir um bar, seu primeiro empreendimento após deixar a cadeia.

    Em janeiro deste ano, ele passou a cumprir em regime aberto o restante da pena, que chegou a mais de dez anos -a condenação pelo porte de drogas, de dois meses de serviços à comunidade, já prescreveu.

    Pai de seis filhos e já avô, Francisco diz não se importar com o resultado do julgamento no STF. Maconha ele conta que não fuma mais, embora se diga favorável à descriminalização do porte de drogas.

    "Quero é reconstruir minha vida e, quem sabe, voltar futuramente para o Ceará. Como tenho passagem pela polícia, aqui não vivo em paz. E minha terra no sertão já tem água e luz, está muito melhor do que São Paulo", afirma.

    *

    CRONOLOGIA DA VIDA DE FRANCISCO

    1960
    Nasce em Cariús, no sertão do Ceará

    1979
    Em busca de emprego, deixa sua cidade e se muda para São Paulo

    1997
    Primeira prisão, por quatro meses, por receptação

    1999
    Segunda prisão, por oito meses, pelo mesmo crime

    2001
    Nova prisão, por 51 dias, novamente pelo crime de receptação

    2002
    Quarta prisão, quando ficou mais de dois anos detido por porte ilegal de armas e receptação

    2009
    Volta pela quinta vez à prisão,por roubo e falsidade ideológica. Um mês depois de chegar à cadeia, é flagrado com três gramas de maconha

    2015
    Deixa a prisão em janeiro e passa a cumprir o restante da pena em regime aberto. Tenta montar um bar na zona sul de São Paulo para organizar a vida e, quem sabe, retornar ao Ceará, um antigo sonho

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